Credito
da Imagem: http://racismoambiental.net.br/2012/03/cupula-dos-povos-o-movimento-indigena-e-a-rio20/
Mesa de
diálogo promovida pela Inbrapi discutiu avanços, conhecimento tradicional,
diálogo com a ciência e identidade.
O Instituto
Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi) abriu sua
programação na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável,
Rio+20, ontem (14), na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, com
propostas de diálogos com ênfase no protagonismo dos povos indígenas e
comunidades tradicionais na construção de um futuro sustentável.
As
discussões da mesa 'Povos Indígenas e Sustentabilidade Econômica, Ambiental e
Cultural: Rio+Quanto?' giraram em torno de desafios e expectativas desses povos
para inserir suas demandas nos três pilares do desenvolvimento sustentável:
econômico, social e ambiental. Rute Andrade, secretária-geral da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), conta que o evento promoveu
"um diálogo entre povos indígenas e comunidades tradicionais com os
cientistas, no sentido de que haja uma parceria realmente". Edna Castro,
socióloga e professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade
Federal do Pará, destacou a presença de índios Kaingang do Rio Grande do Sul, e
guaranis, além de índios do Mato Grosso, alguns deles estudantes de
pós-graduação em grandes cidades.
Uso do
conhecimento tradicional - Fernanda Kaingang, diretora
executiva do Inbrapi e que atuou como moderadora da mesa, comenta que o
Rascunho Zero da Rio+20 cita a questão do conhecimento tradicional, mas não
menciona, por exemplo, discussões cruciais como a repartição de benefícios e o
consentimento prévio informado para pesquisas. "O uso de conhecimento
tradicional sem a repartição e sem o consentimento é apropriação
indevida", ressalta. "Eles têm alguns conhecimentos sagrados que não
podem ser divulgados, mas o conhecimento que pode ajudar significa soluções
para os dilemas que estamos enfrentando. Eles estão entrando nas universidades
para serem ouvidos", destaca Rute.
Nesse
sentido, Edna lembrou a dificuldade da sociedade ocidental, "de formação
colonial, patrimonialista e autoritária", de perceber o conhecimento
"do outro". "Ao longo dos séculos, houve uma produção de
invisibilidade, que colocou o conhecimento e culturas de povos indígenas e
quilombolas na obscuridade. Nossa ciência é tributária do conhecimento
ocidental e, por isso, incapaz de perceber o que está fora de seu
universo", destaca.
Edna reforça
que questões atuais como as mudanças climáticas, os desastres naturais e o
esgotamento dos modelos de crescimento podem receber contribuições desses
povos. "Eles querem a academia ao lado deles para poderem lutar pelo que
eles acreditam e manter a conservação da biodiversidade, que vem deles e não de
nós", acrescenta Rute.
Diferentes
sistemas - "O diálogo de saberes é importante, porém,
numa dimensão democrática, sem o olhar autoritário [da ciência], e sim com
reconhecimento de valores de igual para igual", sublinha Edna. A socióloga
também destaca o estabelecimento de uma nova forma de os índios e comunidades
tradicionais se colocarem na sociedade. "Esses povos, hoje, no Brasil e no
mundo, trazem afirmação política importante que faz com que relativizemos a
questão da ciência", argumenta.
Além disso,
Edna sublinha que esses saberes tradicionais não representam apenas
conhecimento, mas também sistemas de conhecimento. "Com esses sistemas
eles conseguiram, ao longo de milênios, sobreviver e produzir cultura, além de
resolver seus problemas de alimentação, saúde ou ecologia. São
multiconhecimentos, que não podemos homogeneizar, apesar de a ciência e a
filosofia nos ensinarem que há apenas uma epistemologia dominante",
detalha.
A socióloga
também pontua a questão da territorialidade, intimamente ligada com a
identidade. "A identidade como grupo se refere ao território. A forma de
se afirmar politicamente e as redes de ações políticas são discussões de
territorialidade, assim como a delimitação e defesa do território e a luta para
manter a história e a memória", explica. "O Brasil não entende o que
significa o território para os índios. Há muito não se delimita o quanto
deveria ser feito. Eles desejam passar essa questão do porquê da
territorialidade, que é crucial para existência de cada povo", complementa
Rute.
No entanto,
Edna destaca um fenômeno novo no País, no qual o elemento identitário está
deixando de desaparecer entre os indígenas que vão para as cidades. "A
cidade não é mais suficientemente forte para apagar essas identidades e, com
isso, esses povos se tornam mais visíveis, apresentando inclusive um orgulho de
afirmação", assegura.
Para
Fernanda, "o debate foi muito frutífero". "A gente vê a
interação dos diferentes setores do diálogo como a forma mais provável de
conseguir melhorar a legislação. E vemos as pesquisas como algo a serviço da
sociedade, essencial para o desenvolvimento sustentável", opina. "O
aspecto positivo é que foi realizado um sonho de ter uma roda de conversa entre
a comunidade científica e os povos indígenas para aparar complicações e
desentendimentos e estabelecer uma parceria. A gente sempre pode lutar por eles
e eles podem lutar junto com a gente", conclui Rute.
(Clarissa Vasconcellos - Jornal da Ciência)
Fonte: JC e-mail 4519, de
15 de Junho de 2012.
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