Uma leitura da identidade e do movimento indígena
Pelos corredores do Salão do Livro da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), que anualmente acontece no Rio de Janeiro; os parentes indígenas o cumprimentam e ele, naturalmente, responde: “xipat oboré”, que significa “tudo de bom”, na língua do seu povo.
Graduado em Educação e Mestrado inconcluso em Antropologia, Daniel Monteiro Costa é Daniel Munduruku; um indígena em movimento responsável pela organização do Encontro literário formado por um grupo de escritores e escritoras, por artistas e lideranças indígenas de diferentes etnias. Uma das características desse grupo reside também na experiência do deslocamento, isto é, ao sair de suas aldeias ou de suas moradias no espaço urbano. Este fato pode ser associado ao aspecto identitário do grupo com seus traços fronteiriços. Esse deslocamento compõe um dos objetivos do Encontro que é o de refletir o caráter educativo de um movimento que vem crescendo, de tal forma a mobilizar diferentes segmentos da sociedade brasileira. O grupo se manifesta em torno da defesa e proteção das sociedades tradicionais, enfatizando os direitos humanos, como observa o parente Daniel Munduruku em sua análise do movimento indígena brasileiro no período 1970-1990. Não é à toa que este índio Doutor põe em relevo, por meio de entrevistas, a visão de mundo dos fundadores do movimento.
Daniel mostra quão importante é intuir a relação entre as dificuldades e as conquistas desse movimento, considerando que os desafios podem levar o indivíduo, o grupo de indivíduos ou mesmo o país a pensar em si mesmos; pelo menos é o que sugere o conjunto de vozes que testemunha as relações, em geral conflitantes, entre as sociedades tradicionais e os não-índios, em que os primeiros sofreram e sofrem ainda a exclusão oriunda da intromissão de outros valores.
A voz indígena configura uma estética diferente. Diante desta diferençaa, as academias em geral resistem em reconhecer a existência da literatura indígena. Daniel discute este problema na primeira parte do trabalho, enfatizando a relação entre identidade, direitos humanos e autonomia, contextualizando o movimento indígena. Nessa perspectiva, ele comenta que o surgimento do movimento indígena deve-se também a um grupo de “parceiros apoiadores” formado por artistas, profissionais liberais, estudantes secundaristas e universitários e trabalhadores rurais, entre outros. Segundo Daniel (2010, p. 22), o grupo de apoiadores contribuiu para o sentimento ancestral do coletivo ao fortalecer os indígenas que viram ameaçado seu direito de ser diferentes. Os apoiadores “se impuseram contra os desmandos dos militares e exigiram respeito e dignidade para si e para os indígenas brasileiros”. Desse modo, confirma Daniel, “estava deflagrado um movimento político capaz de organizar as pautas de reivindicação que levam em consideração o direito à diferença”.
Como se pode ver está na hora da ciência ocidental aceitar a ciência indígena; pelo menos é o que se depreende das entrevistas de Daniel Munduruku com as lideranças reconhecidas nacional e internacionalmente, a exemplo de Ailton Krenak, Álvaro Sampaio Fernandes, Carlos Estevão Taukane, Darlene Taukane, Eliane Potiguara, Manoel Moura Fernandes e Mariano Marcos Terena. Estes nomes, entre outros da história indígena no mundo, compõem a alma da palavra que se multiplica na segunda parte do trabalho, mais precisamente no capítulo intitulado: “Somos aqueles por quem esperamos”.
Com o espírito renovado para vivenciar a espera em torno de mais um momento histórico para nós indígenas, recebi o convite para compor a banca examinadora da tese “O caráter educativo do movimento indígena brasileiro (1970-1990)”. Cabe dizer que este momento significou/significa/significará para mim um dos sinais de que Ñanderu (o Grande Espírito, em guarani) nos acolhe, sempre; um sinal fortalecido também pela sacralidade do tempo, pois estamos vivenciando a nova década (2005-2015) dos povos indígenas e o Ano Internacional (2010) para a Aproximação das Culturas, proclamados pela UNESCO. Sendo assim, para ilustrar as minhas impressões acerca do pensamento do Doutor Daniel Munduruku, tomo a liberdade de citar um e-mail enviado (em 09.05.2010) por Marcos Terena ao grupo de literatura indígena. A propósito desse momento histórico, quem tiver ouvidos ouça as boas palavras de Terena (Maestro de la Catedra Indigena):
Como as correntes das águas de nossas terras, finalmente chegou o grande dia da coroação de um índio como "Doutor" formado, provado e comprovado na linguagem de uma academia como a USP.
Talvez esteja nascendo daí a tão sonhada Universidade Indígena onde os conhecimentos científicos europeus não sejam atalhos ou alternativas de misericórdia diante do peso e culpa do colonizador, mas a inserção digna da inteligência e dos saberes tradicionais, quem sabe, como resposta a modernidade em crise.
Bem aventurados aqueles que não viram e creram, como nossos ancestrais e quem sabe, apenas como lembrança, sonhava a Professora Aracy quando orientava Daniel, o Munduruku.
Eu, antes que me torne ancestral vou 2a. feira as 14h00 correndo lá na Faculdade de Educação não só para ver e crer, como para sentir a emoção desse momento histórico para nós, os índios.
São Paulo, 9 de maio de 2010
Graça Graúna (UPE)
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ABEA – UFF
XI JORNADA DE ESTUDOS AMERICANOS RAÍZES E RUMOS
Painel nº.4: Encruzilhadas Multiétnicas: Raízes e Rumos
da Construção Identitária nas Américas
DIÁLOGO MULTIÉTNICO:
História e Memória de Negros e Índios em Toni Morrison e Vargas Llosa
Graça Graúna (Doutora em Letras, pela UFPE)
"...eis a nossa gente
a nossa gente transpondo mares e mares
carne da nossa carne
sangue do nosso sangue disperso pelo Mundo."
(JOFRE ROCHA, 1999:260)
"Pemêe jevy pemêe jevy
Oreyvy peraa va’ekue
Roiko’i haguã
Peraa va’kue roiko’i haguâ."
(CANTO GUARANI)
A diversidade cultural, as fronteiras do texto e seus contrapontos dão conta de que uma das funções da contraliteratura (literatura minoritária) é interpretar a consciência coletiva e nacional e convocar a uma solidariedade ativa (Cf. Zilá Bernd, 1988, em sua Introdução à literatura negra). Essa desobediência aos paradigmas permite "que venha à tona o homem concreto e sua denúncia" (BERND,1988:42), embora a tendência seja a de se manter "nas fronteiras da marginalidade, se não completamente marginais" (BERND, 1988:45).
Para entender as fronteiras da marginalidade entre a literatura afro-americana e a literatura hispano-americana, o presente trabalho objetiva considerar o jogo das semelhanças e diferenças no tratamento das questões do descentramento do ameríndio no romance O Falador, de Vargas Llosa (1988) e o papel da(s) negritude(s) como um traço de união na diversidade cultural americana em Amada, de Toni Morrison (1987). Analisar as fronteiras entre o discurso do autor e o discurso do outro em Llosa e Morrison implica um olhar comparatista sobre o conjunto de projetos e representações do indivíduo em Amada e O Falador. Nessa perspectiva, a proposta de Roland Walter (1999) acerca de uma metodologia híbrida para a análise das políticas e poéticas transculturais de deslocamento e relocação nas Américas (grifo nosso) implica um dos fundamentos da nossa abordagem acerca dos espaços fronteiriços que ligam e diferenciam as culturas no romance/memória da afro-americana Toni Morrison e no meta-romance indigenista do peruano Mario Vargas Llosa.
Em Morrison (1987) e em Llosa (1988), as trilhas da história, da memória e do deslocamento exigem um olhar mais discernidor daqueles que se ocupam não somente dos problemas de Literatura; mas de Filosofia, Lingüística, Economia, História, Antropologia, Ciências Sociais e outras áreas de conhecimento. Na área da etnologia, João Pacheco de Oliveira (1998), focaliza a territorialização dos índios do Nordeste e da Amazônia, e adverte que "a ‘etnologia das perdas’ deixou de possuir um apelo descritivo ou interpretativo e a potencialidade da área do ponto de vista teórico passou a ser o debate sobre a problemática das emergências étnicas e da reconstrução cultural" (OLIVEIRA, In: Mana 4(1):47-77, 1998:53).
No cenário da literatura hispano-americana, as contribuições de Llosa revelam personagens que guardam uma certa semelhança com o seu criador. Isto ocorre nos romances Tia Júlia e o escrevinhador (1977) e O Falador (1988). Este último romance, alternado em duas narrativas, é vivido por dois personagens: o escrevinhador que em sua passagem por Florença recorda-se de Mascarita, um amigo de juventude em Lima, fascinado pela cultura indígena. O outro personagem remete ao título do romance; trata-se do falador: contador da história e da memória dos habitantes da floresta; conhecedor da existência, das magias e dos mitos dos índios Machiguenga em meio ao processo de (des)territorialização da Amazônia peruana. Cabe salientar que esse processo reporta-nos à Amazônia brasileira, onde a mais grave ameaça é "a invasão dos territórios indígenas e a degradação de seus recursos ambientais, no caso do Nordeste [do Brasil], o desafio à ação indigenista é restabelecer os territórios indígenas, promovendo a retirada dos não-índios das áreas indígenas, desnaturalizando a ‘mistura’ como única via de sobrevivência e cidadania" (OLIVEIRA, 1998:53).
Aclamada pela crítica americana por sua maneira de combinar a realidade com visões de lendas e magia centradas na alma e na cultura negra, Morrison situa em Amada, o período inicial da pós-Guerra Civil Americana. No espaço do romance, uma casa branca e cinzenta e assombrada pelo mundo branco que a discrimina, e pelo fantasma de uma criança põe em conflito os seus habitantes (Sethe, Baby Suggs, Denver, Howard, Buglar e Paul D) e a vizinhança da Bluestone Road. Dos habitantes, a mais atormentada pelo fantasma é Sethe: uma ex-escrava que matou a filha (fantasma-criança-amada/fantasma-mulher-Amada) para livrá-la do mundo de servidão. Esse fantasma aparece mais intensamente quando Paul D reencontra Sethe: sua antiga companheira dos tempos de escravidão.
As questões relativas ao deslocamento vivido pelos personagens de Morrison e Llosa mostram um recorte de perdas e ganhos na relação entre os povos e suas manifestações na música, na dança e na literatura. As perdas caracterizam "toda a cultura latino-americana do Caribe ao Prata, e que foi concebida por Fernando Ortiz, em 1940 (e, posteriormente, retomada por Angel Rama) como o processo que não implica apenas adquirir uma cultura (aculturação)" (Cf.BERND,1987:47). Nas palavras de Ortiz (Contrapuento cubano del tabaco y el azúcar, 1978), esse processo "implica também necessariamente na perda de uma cultura precedente (parcial desculturação) e a conseqüente criação de novos fenômenos culturais que poderiam ser chamados de neoculturação". Em relação ao contexto cubano, convém ressaltar que a música e a dança do africano e a influência rítmica fazem parte de um curiosíssimo fenômeno de transculturação; pois em Cuba, "hace siglos, pudiera decirse que casi desde su misma conquista y popblamiento por los blancos, tenemos a la vez pobladores negro que trajeron consigo de África su música y tambores" (ORTIZ, 1978:196).
A questão identidade/alteridade convoca-nos a repensar o direito à diferença para entender o outro e compreender melhor a nós mesmos. Esse processo que só existe pela consciência de nos tornarmos outro, sendo nós mesmos converge à visão indianista em Llosa e da africanidade em Morrison e reporta-nos a Octavio Paz, cuja concepção de alteridade/identidade implica um "processo/dinâmica que se constrói e se desconstrói sem dissociar-se do conceito de alteridade," pois só existe identidade pela consciência de diferença que é posta por uma situação de estranhamento" (PAZ, apud BERND, 1987:38). Nesse patamar, temos em Llosa o narrador que é um sujeito escrevinhador da história do outro (o que está de fora, isto é, prefere falar da história a vivê-la), e o falador Saul/Mascarita: um contador de história e sujeito também da (auto)história.
Nessa direção, a sintaxe da identidade/alteridade coloca-nos diante do ato de narrar/contar história que requer do narrador tradicional (narrador épico) uma certa habilidade de trazer ao presente algo que aconteceu no passado; seja na orlalidade, ou na escrita. O personagem escrevinhador de Llosa implica o narrador tradicional, de fora, enquanto o personagem falador guarda características do épico por mostrar/refazer a história; no sentido de colaborar com a formação do povo; trata-se de um personagem de dentro, heróico, porque vive a história. Ao contrário deste, o escrevinhador explica em sua crítica/escritura (metaficção) as dificuldades para livrar-se do acossamento de Saul/Mascarita; o outro que ele reconhece:
O outro [...] põe diante de mim uma treva que, quanto mais tento perfurar mais se adensa.[...] falar como fala um falador é haver chegado a sentir e viver o mais íntimo dessa cultura, haver calado em suas entranhas, chegado ao tutano de sua história e sua mitologia, somatizado seus tabus, imagens, apetites e terrores ancestrais. É ser, da maneira mais essencial possível, um machiguenga radical, mais um da antiqüíssima estirpe que [...] mantém vivo entre eles o sentimento de estar juntos, de construir algo fraterno e compacto.[...] andar pelas selvas da Amazônia, prolongando, contra tudo e todos – e, sobretudo, contra as próprias noções de modernidade e progresso - (LLOSA, 1988:213).
Tomando como base as referências históricas do texto, a dimensão mítica do tempo e a relação entre história e memória em Llosa e Moorison; a percepção que temos é a de que alguma coisa (a perda) remete ou se mistura ao outro, numa série de contrapontos. No romance de Llosa, os rostos do passado nas fotografias orientam o olhar daquele narrador que procura a ressonância da memória, das lembranças. Assim: "...foram três ou quatro fotografias que me devolveram, de chofre, o sabor da selva peruana. Os largos rios, as corpulentas árvores, as frágeis canoas, as fracas cabanas sobre palafitas e os viveiros de homens e mulheres, seminus e lambuzados de tinta, contemplando-me fixamente de suas brilhantes cartolinas" (LLOSA, 1988:7) Esse ponto de vista do narrador na cidade de Florença expressa um ser à margem das raízes e do contato com o outro, isto é, Saul/Mascarita; mais que uma representação, Saul/Mascarita é um ser "enfeitiçado pelos homens da floresta e a natureza intocada, pelas culturas primitivas, minúsculas, dispersas na colinas silvestres da montanha e na planície da Amazônia" (LLOSA, 1988:15). Mascarita é uma transfiguração do outro que envereda nesse caminho para não sair; nunca mais.
Observando a linhagem do contador de história em Llosa, não poderíamos nos furtar das palavras que principiam a história de Amada, em Morrison: "A 124 ERA RANCOROSA" (MORRISON, 1987:11). Com o ritmo de quem acompanha os passos dos fantasmas da casa rancorosa de Bluestone Road, um tecido de vozes em Amada conta uma história. Vozes de homens e mulheres desolados, deslocados: "...homens e mulheres eram removidos de um lugar para o outro como peças nun jogo de damas. Todos os homens que Baby Suggs conhecera ou amara, exceto os que haviam fugido ou sido enforcados, tinham sido alugados, emprestados, comprados, recomprados, hipotecados, presenteados, roubados ou capturados" (MORRISON, 1987:34). São vozes minoritárias, subalternas (WALTER, 1999) na ótica de uma escrita de autoria feminina sobre um punhado de coisas acontecidas com os negros de Cincinnati, no Estado de Ohio, por volta de 1873; coisas extraídas do desejo de recompor o mosaico de uma cultura fragmentada pelos algozes:
Sethe e a filha Denver eras as únicas vítimas. A avó, Baby Suggs, estava morta; os garotos, Howard e Buglar, tinham fugido aos treze anos – logo que um simples olhar para um espelho o fez em pedaços (o sinal para Buglar); logo que a impressão de duas mãozinhas apareceu no bolo (o sinal para Howard). Nenhum dos dois esperou para ver outro punhado de grão-de-bico fumegando no chão ou biscoitos de água e sal moídos e espalhados perto do batente da porta. [...] Fugiram no exato instante em que a casa cometeu o que era, para cada um deles, o único insulto impossível de ser suportado ou testemunhado numa Segunda vez. [Os irmãos] enfiaram um pacote de roupas no chapéu, pegaram os sapatos e esgueiraram-se para longe do vivo rancor que a casa sentia por eles (MORRISON, 1987:11).
Em debate sobre o negro na literatura, Octavio Ianni (1990) defende que o tempo presente na literatura negra é um tempo diferente porque implica "séculos de sofrença! Uma sofrença que é do povo, não só do negro" (IANNI,1990:188).Essa "sofrença" caracteriza o "eu coletivo" da poesia, do romance, do conto do escritor negro. Enquanto a "grande literatura" fala de um eu individualista, "de uma sociedade burguesa que atomiza e altera os indivíduos, e o escritor burguês expressa isso, com mais força" (IANNI, 1990:188); a literatura das minorias e sobre as minorias revela que a percepção do escritor negro sugere mais intimidade com o tempo, isto é, parece mais voltado para o tempo psicológico; considerando que o escritor negro trabalha, simultaneamente, o tempo biográfico, histórico e mítico; um tempo centrado na vontade de falar de séculos, vontade de falar da África.
Denunciar o sofrimento da população negra e/ou indígena, por exemplo, é refazer a história na sua verdade, para formar uma fisionomia do povo negro, do povo índio. Com efeito, a verdade e a fisionomia do negro atreladas à dimensão temporal (presente, passado e futuro) em Morrison, mostra-nos o diálogo multiétnico na memória de Paul D com um grupo de índios no acampamento. Na visão do índio, o negro Paul D não é uma mera representação naquele acampamento, mas a transfiguração do "último homem com cabelos iguais ao pelo de búfalo entre os cherokee enfermos" (MORRISON, 1987:134).
Em Morrison, esse diálogo conduz à esperança vã dos membros dessa tribo diante do que traduziram e escreveram em sua linguagem, tanto nas petições ao Rei de Espanha, quanto na visita ao Rei George III em Londres (MORRISON, 1987:133). Esse diálogo interétnico conduze-nos, ainda, ao encontro de Sixo com Patsy, a mulher dos quarenta e cinco quilômetros em "uma caverna deserta que os pele-vermelhas haviam usado antigamente, quando pensavam que a terra era deles. [...] Lá dentro, perguntou aos espectros dos pele-vermelhas se podia levar sua mulher ali. Eles concordaram e Sixo instruiu minuciosamente a moça sobre como chegar lá..."( MORRISON, 1987:36).
Em Morrison, a escritura e a oralidade parecem intimamente ligadas as cores desbotadas das paredes da personagem rancorosa (a casa) e à trilha de luz vermelha que, no dizer da contadora de história: "não é algo mau, só triste" (MORRISON, 1987:18). Esse "algo" faz parte dos vestígios da história e da memória que a Autora procura des/recodificar "e, neste processo, falar o indizível da experiência traumática de travessia, escravidão e de racismo - este indizível que desencadeia a imaginação/a escrita a partir da memória 'esquecida' porque suprimida, baseada na incapacidade de percebê-la e, portanto, simbolizá-la." (WALTER. In: Toni Morrison: em busca do paraíso. Comunicação apresentada à AMPOL/99). No curso da história, os lugares, as pessoas em Amada e O Falador transgridem o que está sendo contado e questionam os espaços fronteiriços onde se lê as vozes das diferenças, porque não existe unidade. Em Llosa e em Morrison, história e memória sugerem as vozes das diferenças que se projetam no ritmos das lembranças, na experiência/competência dos personagens, na relação do indivíduo com a sociedade. Deste ponto de vista, convém repensar "o conhecimento da memória, do legado cultural, a força de vontade de analisar o passado para compreender o presente, não garante solucionar a crise identitária dos afro-americanos" (MORRISON, apud WALTER, ANPOL, 1999).
Em sua contribuição à crítica da cultura do ensaísmo latino-americano, através da leitura de Euclides da Cunha e Otávio Paz, a ensaísta Ana Maria Roland (1997) evoca a melancolia benjaminiana diante da morte do narrador e salienta que "já não se transmite, exemplarmente, uma experiência.[...] Mas nas mãos de um grande escritor o livro vive, a palavra inscreve-se e traslada-se para seu texto" (ROLAND, 1977, 30-31). Em Morrison e Llosa, a história e a memória revelam o diálogo que existe entre a voz e a escrita. Amada e O Falador vivem. O livro vive. Desse modo, não podemos esquecer que "a escrita é mais resistente do que o corpo [e] pode sobreviver a muitas vidas [porque] a escrita é uma espécie de testemunho temível, quando por ela fica registrada a experiência das individualidades excepcionais e das nações" (ROLAND, 1999:31).
As literaturas que trafegam na contramão "emergem em geral nas geografias marcadas pela instituição colonial (Américas, Áfricas)" (BERND, 1998:39). Isto significa "novas possibilidades de alianças que reconhecem suas especificidades e diferenças intrínsecas" (WALTER, 1999:264). Em outras palavras, assim nos parece a literatura de hifenização em Morrison e Lllosa, e as teorias literárias periféricas que emigraram de um processo histórico de colonização.
Desse modo, o ato de Ler/escrever a história, observar atentamente; ouvir/contar a memória de negros e índios no processo construção/desconstrução é uma questão tão importante quanto necessária à percepção do contato multiétnico sonhada por José Marti.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERND, Zilá. Negritude e literatura na América latina. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987.
______. Introdução à literatura negra. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.
______. A literatura comparada e as literaturas periféricas. In: MARQUES, Reinaldo e BITTENCOURT, Gilda Neves (org.). Limiares críticos. Belo Horizonte: Autêntica, 1998, p.39.
IANNI, Octavio. O negro na literatura brasileira. In: Seminários de literatura Brasileira: ensaios. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Fundação Nestlé de Cultura, 1990, p.188.
LLOSA, Mario Vargas. O Falador. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, 214p.
MORRISON, Toni. Amada. São Paulo: Editora Best Seller, 1987, 321p.
OLIVEIRA, João Pacheco de. Uma etnologia dos ‘índios misturados’? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. In: Mana 4(1):47-77, 1998, p. 53.
ORTIZ, Fernando. Contrapuento cubano del tabaco y el azúcar. Caracas: Ayacucho, 1978.
ROCHA, Jofre. Cântico de alforria. In: ROZÁRIO, Denira (Org.). Palavra de Poeta. Antologia de poetas de Cabo Verde e Angola. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 260.
ROLAND, Ana Maria. Fronteira da palavra, fronteiras da história. Brasília: Editora UNB, 1997.
WALTER, Roland. Identidades narrativas: esboço de uma metodologia híbrida para a análise das políticas e poéticas transculturais de deslocamento e relocação nas Américas. In: Encontro – Revista do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco. Recife: Bagaço, 1999, Ano 15, (15) 259-264.
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quinta-feira, 24 de abril de 2008
Litertura Indigena: desconstruindo estereótipos, repensando preconceitos
Graça Graúna (UPE – Letras)
ggrauna@yahoo.com.br
O que é ser índio(a) hoje? Qual a visão da cultura e da história indígena na mídia, na poesia, na prosa e nos livros didáticos? Como distinguir as especificidades da literatura indígena em meio ao processo de transculturação e reconhecer a existência dessa literatura, em meio a tantos “apagamentos”? Quais os pontos de confluência entre os diferentes saberes dos povos indígenas no Brasil ou em Quebec, no Paraguai ou no México, na Guatemala ou no Chile, no Peru ou na Bolívia, levando em conta o processo de hifenização?
ggrauna@yahoo.com.br
O que é ser índio(a) hoje? Qual a visão da cultura e da história indígena na mídia, na poesia, na prosa e nos livros didáticos? Como distinguir as especificidades da literatura indígena em meio ao processo de transculturação e reconhecer a existência dessa literatura, em meio a tantos “apagamentos”? Quais os pontos de confluência entre os diferentes saberes dos povos indígenas no Brasil ou em Quebec, no Paraguai ou no México, na Guatemala ou no Chile, no Peru ou na Bolívia, levando em conta o processo de hifenização?
Esse questionamento é um convite para desconstruir estereótipos e repensar os preconceitos; um convite para discutir a possibilidade de sonhar um mundo melhor; um convite que deve estender-se a todos os simpatizantes da cultura e da história indígena, levando em conta que a literatura indígena, por exemplo, ainda é pouco estudada em seu aspecto contemporâneo (cotidiano) e, particularmente, em seus aspectos fronteiriços.
Identidades, utopia, cumplicidade, esperança, resistência, deslocamento, transculturação, mito, história, diáspora e outras palavras andantes [1] configuram alguns termos possíveis para designar, a priori, a existência da literatura indígena contemporânea no Brasil. Gerando a sua própria teoria, a literatura escrita dos povos indígenas no Brasil pede que se leiam as várias faces de sua transversalidade, a começar pela estreita relação que mantém com a literatura de tradição oral, com a história de outras nações excluídas (as nações africanas, por exemplo), com a mescla cultural e outros aspectos fronteiriços que se manifestam na literatura estrangeira e, acentuadamente, no cenário da literatura Nacional.
Pensemos, então, na escassez de estudos em torno do assunto como decorrência do preconceito, da falta de reconhecimento da existência de uma literatura que "foi sistematicamente negada até bem avançado o século XX", como nos mostra René Capriles (1987, p. 5)). Embora considere que a discussão em torno da existência dessa literatura esteja amplamente superada, Capriles mostra em sua análise a que se deve a falta de reconhecimento:
O princípio no qual sempre se basearam os críticos dos valores desta narrativa sempre foi a etnocentrista e discutível afirmação de que todos os povos do nosso continente desconheciam a linguagem escrita fonética tal como ela é conhecida no mundo ocidental europeu desde a sua invenção pelos fenícios e o seu aperfeiçoamento realizado pelos gregos. [2]
Os estereótipos e os preconceitos no campo da cultura e da história indígena são apenas uma ponta do iceberg; mas não levaremos mais 500 anos dependendo do aval das academias que só reconhecem a expressão literária indígena se esta for “baseada unicamente [e obrigatoriamente] na existência do livro [‘branco’] tal como o conhecemos na atualidade”, conforme intuímos do pensamento de Capriles. Os tempos são outros: recentemente, foi aprovada a Lei 11.645, em 10 de março de 2008, que obriga a inclusão da História e da Cultura indígena nos bancos escolares; graças à luta de lideranças dos povos originários, isto é, considerados indígenas; povos de cada nação com sua língua, sua cultura, sua tradição e espiritualidade diferenciadas da sociedade dominante. Dos estereótipos e preconceitos que tem testemunhado, o poeta e descendente indígena Geraldo Maia alerta em seu artigo (Que Fronteiras?) para o seguinte:
Na grande maioria de encontros, seminários, colóquios, congressos que pude assistir a maioria dos intelectuais convidados, quase todos doutores e mestres renomados revelaram-se domesticados ao texto do qual buscam apenas a inteligência dos autores sem ambição alguma de tornarem-se sujeitos da compreensão do que lêem, temerosos de arriscarem algo pessoal, criativo e relacionado com o que vem ocorrendo desde a sua própria realidade (MAIA, 2008) [3].
No mesmo artigo, Maia enfatiza que, infelizmente, nas escolas de todos os níveis a referência ainda é do invasor/colonizador. Tal comportamento, diz ele, “fez com que se criasse uma Lei (Lei 10.639/03) obrigando o ensino da história e da cultura africana em todo o país, e mais recentemente a Lei 11.645”.
O princípio no qual sempre se basearam os críticos dos valores desta narrativa sempre foi a etnocentrista e discutível afirmação de que todos os povos do nosso continente desconheciam a linguagem escrita fonética tal como ela é conhecida no mundo ocidental europeu desde a sua invenção pelos fenícios e o seu aperfeiçoamento realizado pelos gregos. [2]
Os estereótipos e os preconceitos no campo da cultura e da história indígena são apenas uma ponta do iceberg; mas não levaremos mais 500 anos dependendo do aval das academias que só reconhecem a expressão literária indígena se esta for “baseada unicamente [e obrigatoriamente] na existência do livro [‘branco’] tal como o conhecemos na atualidade”, conforme intuímos do pensamento de Capriles. Os tempos são outros: recentemente, foi aprovada a Lei 11.645, em 10 de março de 2008, que obriga a inclusão da História e da Cultura indígena nos bancos escolares; graças à luta de lideranças dos povos originários, isto é, considerados indígenas; povos de cada nação com sua língua, sua cultura, sua tradição e espiritualidade diferenciadas da sociedade dominante. Dos estereótipos e preconceitos que tem testemunhado, o poeta e descendente indígena Geraldo Maia alerta em seu artigo (Que Fronteiras?) para o seguinte:
Na grande maioria de encontros, seminários, colóquios, congressos que pude assistir a maioria dos intelectuais convidados, quase todos doutores e mestres renomados revelaram-se domesticados ao texto do qual buscam apenas a inteligência dos autores sem ambição alguma de tornarem-se sujeitos da compreensão do que lêem, temerosos de arriscarem algo pessoal, criativo e relacionado com o que vem ocorrendo desde a sua própria realidade (MAIA, 2008) [3].
No mesmo artigo, Maia enfatiza que, infelizmente, nas escolas de todos os níveis a referência ainda é do invasor/colonizador. Tal comportamento, diz ele, “fez com que se criasse uma Lei (Lei 10.639/03) obrigando o ensino da história e da cultura africana em todo o país, e mais recentemente a Lei 11.645”.
Século XXI: a literatura indígena no Brasil continua sendo negada, da mesma forma com que a situação dos seus escritores e escritoras continua sendo desrespeitada. A situação não é diferente com relação aos escritores negros e afrodescendentes. Essa questão ainda não se livrou do prisma etnocentrista. Como se pode ver, a situação do(a) escritor(a) negro(a) e indígena não está desapartada da realidade. A sua história de vida (autohistória) configura-se como um dos elementos intensificadores na sua crítica-escritura, levando em conta a história de seu povo. Sendo assim, as especificidades da literatura indígena, tanto quanto as particularidades da literatura africana devem ser respeitadas em suas diferenças. Jean-Paul Sartre (1989, p. 51) comenta que uma obra de arte “pode se definir como uma apresentação imaginária do mundo, na medida em que exige a liberdade humana [pois] por mais sombrias que sejam as cores com que se pinta o mundo, pinta-se para que homens livres experimentem[...]sua liberdade” [4].
Em outubro de 1988, no México, quando intelectuais e historiadores latinoamericanos se reuniram para discutir questões como identidade, interculturalismo, mestiçagem, discurso indígena e marginalidade no simpósio sobre os quinhentos anos de história na América Latina, o equatoriano Carlos Paladines (1991) apresentou um estudo intitulado “Discurso indígena e discurso de ruptura”, no qual observa que o indígena deixa de ser tema de antropólogos, etnólogos, de alguns sociólogos o de pintores, novelistas e escultores (indigenismo’) e passa a ser assumido pelo mesmos indígenas (‘indianismo’)” [5]. Os conceitos indigenismo/indianismo diferem do significado desses mesmos termos empregado no Brasil.
Citado por Angel Rama (2001, p. 300), o estudioso José Carlos Mariátegui traz para o estudo da literatura, já em 1928, a problematização em torno desses aspectos, mas ressalva que “uma literatura indígena, se tiver de vir, virá a seu tempo. Quando os próprios índios estiverem prontos para produzi-la”. Na distinção entre literatura indígena e indigenista, Mariátegui diz que a primeira refere-se “à produção intelectual e artística realizada pelos índios, conforme seus próprios meios e códigos” [6]. A segunda busca informar sobre o universo e o homem indígenas”.
Mais uma questão se coloca, com o objetivo de conclamar a sociedade para repensar as origens da literatura no Brasil. Por que enfatizar a literatura Indígena? A pergunta vem de Eliane Potiguara, ao estender a sua idéia da I Conferência Internacional de Escritores Indígenas e Afro-descendentes. Na sua percepção, as articulações em torno desse Encontro configuram mais uma porta que se abre na História indígena ou mais um caminho para combater o preconceito literário e o descaso com que a literatura indígena é tratada no Brasil. Os manifestos literários de Potiguara se transformam em convite, para que nos tornemos “multiplicadores de idéias que marcam a sua passagem no planeta TERRA e que buscam contribuir para o avanço da cultura da paz, da ética, do amor, numa grande corrente transformadora de idéias"[7]. Tecendo seu próprio relato, respeitando as diferenças, salvaguardando a Mãe-Terra, os escritores indígenas avançam a cada página – pelo prazer do texto que implica também uma literatura de combate, como a sugere a poesia de Eliane Potiguara que expõe sua indignação:
o paternalismo vê nas histórias e cultura indígenas, um objeto de estudo antropológico e nunca literário, político ou até mesmo, espiritual, caso o pensamento parta de um líder espiritual. E todos nós sabemos que paternalismo é uma forma sutil de racismo e poder. Observem quando vocês usam sua paternidade ou maternidade para aplicar o pater/maternalismo. Seus filhos tornam-se mimados e errantes... Seu poder oprime o educando e em breve ele vai se revelar. É assim que a ciência tem tratado a essência e a filosofia indígenas (POTIGUARA, 2002) [8]
A questão da especificidade da literatura indígena no Brasil implica um conjunto de vozes entre as quais o(a) autor(a) procura testemunhar a sua vivência e transmitir ‘de memória’ as histórias contadas pelos mais velhos, embora muitos vezes se veja diferente aos olhos do outro. Nesse sentido, a escritora indígena Darlene Taukane (1999, p 17) fala da experiência que foi o seu deslocamento da aldeia para completar os estudos na cidade, levando-a mais tarde a transformar em livro a história do seu próprio povo, os Kurâ-Bakairi (MT): “quando senti que tinha firmeza em reproduzir e transformar de memória aquilo que ouvia [dos mais velhos], pude então sair e conversar com outras pessoas” [9]. Essa percepção da memória, da autohistória e de alteridade configura um dos aspectos intensificadores do pensamento indígena na atualidade. Observamos na autohistória de Taukane, que a noção de deslocamento não constitui um ato voluntário. Nesse sentido, ela comenta:
Foram vários os momentos em que me vi diante dos outros e senti necessidade de auto-afirmação. Senti necessidade de ser ouvida, de que acreditassem e conhecessem a riqueza tão vasta de uma cultura indígena. Talvez tenha sido a minha meta, de que os povos indígenas falem por eles mesmos (TAUKANE, 1999, p. 18).
Essas observações permitem identificar algumas características da literatura indígena que, a priori, sugerem problematizações associadas aos seis temas transversais que foram escolhidos e elaborados pelos professores indígenas e seus consultores para o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. São eles: a) Terra e conservação da biodiversidade; b) Auto-sustentação; c) Direitos, lutas e movimentos; d) Ética; e) Pluralidade cultural; f) Saúde e educação. As implicações em torno dessa temática permitem compreender o aspecto da autohistória e a sua relação com a oralidade e a escrita, entre outras questões identitárias que emanam da literatura contemporânea de autoria indígena no Brasil.
Notas
Essas observações permitem identificar algumas características da literatura indígena que, a priori, sugerem problematizações associadas aos seis temas transversais que foram escolhidos e elaborados pelos professores indígenas e seus consultores para o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. São eles: a) Terra e conservação da biodiversidade; b) Auto-sustentação; c) Direitos, lutas e movimentos; d) Ética; e) Pluralidade cultural; f) Saúde e educação. As implicações em torno dessa temática permitem compreender o aspecto da autohistória e a sua relação com a oralidade e a escrita, entre outras questões identitárias que emanam da literatura contemporânea de autoria indígena no Brasil.
Notas
[1] Uma expressão de Eduardo Galeano, em: As palavras andantes. Porto Alegre: L&PM, 1994.
[2] CAPRILES, René. A força da poesia pré-colombiana. In: Letras & Artes: São Paulo, abr., 1987:5.
[3] MAIA, Geraldo. Que fronteiras. Disponível em: www.ggrauna.blogspot.com. Acesso em 15 de março de 2008.
[4] SATRE, Jean-Paul. O que é literatura? São Paulo: Ática, 1989.
[5] PALADINES E., Carlos. Discurso indígena y discurso de ruptura. In: Quinientos años de historia, sentido e proyección. México: Instituto Panamericano de Geografia e Historia/Fundo de Cultura Económica, 1991: 107-126.
[6] RAMA, Angel. Literatura e cultura na América Latina. São Paulo: Edusp, 2001.
[7] Cf. POTIGUARA, Eliane. Matéria publicada pelo IBASE, divulgada no GRUMIN. Disponível em: . Acesso em: 17 jun. 2002.
[2] CAPRILES, René. A força da poesia pré-colombiana. In: Letras & Artes: São Paulo, abr., 1987:5.
[3] MAIA, Geraldo. Que fronteiras. Disponível em: www.ggrauna.blogspot.com. Acesso em 15 de março de 2008.
[4] SATRE, Jean-Paul. O que é literatura? São Paulo: Ática, 1989.
[5] PALADINES E., Carlos. Discurso indígena y discurso de ruptura. In: Quinientos años de historia, sentido e proyección. México: Instituto Panamericano de Geografia e Historia/Fundo de Cultura Económica, 1991: 107-126.
[6] RAMA, Angel. Literatura e cultura na América Latina. São Paulo: Edusp, 2001.
[7] Cf. POTIGUARA, Eliane. Matéria publicada pelo IBASE, divulgada no GRUMIN. Disponível em:
[8] Cf. Depoimento pessoal de Eliane Potigura. Literatura indígena: um pensamento brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2002.
[9] TAUKANE, Darlene. A história da educação escolar entre os Kurâ-Bakairi. Cuiabá: Darlene Taukane, 1999.
QUESTÕES PARA DEBATER
“...para acabar com os preconceitos, é essencial mostrar e valorizar a diversidade étnica e cultural que existe na sociedade..."
“a troca de lugares provoca um confronto de percepções, desarticula estereótipos, mostra diferentes estilos de vida e possibilita reconhecer que todos temos coisas em comum...”
“...os indígenas são considerados, em geral, ou povos incultos, agressivos, ou selvagens puros e inocentes. Essas visões estereotipadas provocam e alimentam a marginalização dos indígenas, cujas culturas não são valorizadas ou mostradas na mídia...”
[9] TAUKANE, Darlene. A história da educação escolar entre os Kurâ-Bakairi. Cuiabá: Darlene Taukane, 1999.
QUESTÕES PARA DEBATER
“...para acabar com os preconceitos, é essencial mostrar e valorizar a diversidade étnica e cultural que existe na sociedade..."
“a troca de lugares provoca um confronto de percepções, desarticula estereótipos, mostra diferentes estilos de vida e possibilita reconhecer que todos temos coisas em comum...”
“...os indígenas são considerados, em geral, ou povos incultos, agressivos, ou selvagens puros e inocentes. Essas visões estereotipadas provocam e alimentam a marginalização dos indígenas, cujas culturas não são valorizadas ou mostradas na mídia...”
Organizações das mulheres indígenas
Na História indígena, as organizações têm propiciado o surgimento de líderes e novas formas de aliança, mobilizando as comunidades locais e mostrando a necessidade de se constituir representações indígenas em várias regiões do Brasil; algumas se articulam em um só povo, outras em uma categoria.
Para Leonardo Boff, existem 73 organizações indígenas registradas em cartório e 24 organizações não-governamentais de apoio aos povos indígenas, isto é, indigenistas ou comandadas por não-índios. No entender de Boff, a Rede de Comunicação Indígena sobre Gênero e Direito (Grumin) pertence ao quadro das Ongs indigenidtas. Todavia, convém esclarecer que o Grumin foi fundado juridicamente em 1986, por Eliane Potiguara: uma remanescente dos Potiguara e indicada, também com outras brasileiras, ao Prêmio Nobel da Paz - 2005. A classificação e a informação de Leonardo Boff parecem equivocadas; considerando que um dos critérios mais aceitos em torno da questão identitária começa pela “auto-definição”. Para dizer se uma pessoa ou uma organização é ou não indígena, é ou não descendente, convém observar o que diz Roberto Homem Mello, na Revista Problemas Brasileiros:
Atualmente, o mais aceito é o da auto-identificação étnica, segundo o qual o que classifica ou não um grupo de indivíduos como indígenas 'é o fato de eles próprios se considerarem índios ou não e de serem considerados índios ou não pela população que os cerca', como define o antropólogo Julio Cesar Mellati.
As informações de Roberto Homem Mello e outros estudiosos confirmam a existência de aproximadamente 300 organizações indígenas "muito diferentes entre si [que podem] representar membros de um povo ou parte dele (só as mulheres ou professores, por exemplo) ou vários povos de uma região". Se as organizações representadas pelos homens indígenas são entidades relativamente recentes, as dezesseis representações formadas pelas mulheres indígenas são mais recentes ainda. (v. quadro).
Denunciando o genocídio mascarado na esterilização, construindo caminhos contra todo tipo de preconceito, combatendo as discriminações dentro da própria sociedade em que vivem, representando comitês de saúde, educação e política e compartilhando as suas reivindicações, o movimento das mulheres indígenas "ganhou visibilidade e respaldo a partir da década de 90”, diz o Jornal Porantim, em marco de 2002; ressaltando que a energia desse movimento “está, aos poucos, se fortalecendo em todo país. São caminhos que apontam para a verdadeira dos povos indígenas, principalmente para as mulheres indígenas".
Vem de Roraima, um exemplo das mulheres indígenas. Conforme o Porantim, elas se mobilizam para “fortalecer as lutas dos povos Macuxi, Wapixana, Taurepang, Ingarikó, Wai Wai e Yanomami e contribuir para a coesão do movimento indígena e para as conquistas dos direitos territoriais". Com esse espírito, as indígenas enfrentaram em Roraima, os momentos difíceis para os índios de Raposa Serra do Sol. Segundo o Porantim, “quando os garimpeiros e a Polícia Militar tentaram desbloquear a barreira feita na Aldeia Machado, em 1992, as mulheres tomaram a frente dos maridos e conseguiram fazer com que as forças recuassem".
Em defesa dos seus direitos, as mulheres indígenas de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia participaram do primeiro encontro estadual, em 1996. No ano seguinte, em Roraima, elas lideram a campanha contra o consumo de bebida alcoólica na aldeia. Nessa luta, duas tuxauas ganharam destaque: Diva de Souza, eleita a primeira mulher cacique na aldeia e Lindalva Peixoto que, em 1998, assumiu a secretaria do Movimento. Nesse mesmo ano, mais um encontro de mulheres indígenas reuniu lideranças Tupinambá e Pataxó (BA), Maxakali, Xakriabá, Krenak e Aranã (MG), Pankararu (PE), Tupinikim e Guarani (ES). Em abril de 2001, a Organização das Mulheres Indígenas de Roraima reuniu cerca de 200 mulheres para avaliar o Encontro que essa mesma entidade realizou em 1999, discutir os direitos assegurados na constituição de 1988, reivindicar a contra-instalação dos Pelotões Especiais de Fronteiras na Aldeia Uiramutã e na Aldeia Ericó e denunciar o comércio de bebida alcoólica nas comunidades, os abusos sexuais contra as índias Yanomami e a violência contra outras mulheres indígenas na região.
Na contra-comemoração dos 500, Maninha Xukuru (PE) publicou no Porantim o artigo “Marcha: uma resposta à fúria do opressor”, em que aborda o sentido de existência do pensamento indígena. Preocupação semelhante pode ser observada nos ensaios de Darlene Taukane, na entrevista de Eliane Potiguara e no pensamento de outras líderes indígenas no Brasil. A respeito de Eliane Potiguara, convém destacar um trecho de sua entrevista ao IbaseNet, em 2002, na qual ela discute a difícil situação da mulher indígena na cidade e na aldeia:
As mulheres indígenas, aos olhos da sociedade, estão abaixo do último degrau que compõe as camadas da sociedade. Indígenas, pobres, discriminadas, excluídas, invisíveis. São mão-de-obra escrava em plantios de cana-de-açúcar, algodão e outros. Se estão próximas a mineradoras, são objeto sexual de garimpeiros ou mineradores. Se estão nas cidades, empurradas por alguma razão social e política de sua nação, tornam-se prostitutas, objeto de tráfico internacional de mulheres, empregadas domésticas ou operárias mal-remuneradas.
Dentro das aldeias urge um trabalho de conscientização contra a violência sexual, o estupro, o assédio, o alcoolismo que resulta nas violências interpessoais, nas intrigas, nos distúrbios psicológicos, nos suicídios. Um programa imediato referente aos direitos reprodutivos e saúde integral deve ser implantado pelo governo e pelas ONGs. Urge um trabalho de conscientização nessas nações que mais sofreram com a neocolonização, ao lado dos povos Ressurgidos e dos Quilombolas.
Em síntese, reportando-nos às mobilizações consagradas ao Dia Internacional da Mulher, no Brasil, cabe assinalar a inclusão desse dia no calendário indígena. Em 1999, a líder Kaingang Ana da Luz Fortes do Nascimento, que foi matéria de capa, no Jornal Porantim, orienta que nessa luta devemos “multiplicar o cereal plantado”. Nesse ritmo, as organizações indígenas, no dia 8 de março de 2001, denunciaram o caso da esterilização de mulheres Pataxó Hã-hã-hãe, ocorrido na Bahia, em 1994. A agonia das Pataxó que é tema, também, de poesia de Eliane Potiguara, revela uma parte das “histórias não-contadas” ou “a terrível angústia causada pela ameaça dos Direitos Humanos desses povos, ocasionando a perda da identidade, a migração e o racismo”, como observa Potiguara.
O quadro que segue, ilustra a quase desconhecida força das representações das mulheres indígenas no Brasil:
ADMIR-Associação Desenvolvimento das Mulheres Indígenas de Roraima RR
AMA-Movimento Articulado das Mulheres da Floresta AmazônicaAC
AMAI-Associação das Mulheres de Assunção do IçanaAM
AMIARN-Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio NegroAM
AMICOP-Associação das Mulheres Indígenas do Centro-Oeste PaulistaSP
AMID - Associação das Mulheres Indígenas do Distrito de IauaretéAM
AMIK-Associação das mulheres indígenas KamebaAM
AMIMS-Associação das Mulheres Indígenas do Médio SolimõesAM
AMISM-Associação das Mulheres Indígenas Sateré-MawéAM
AMITRUT-Associação das Mulheres Indígenas de Taracuá, Rio Uapés e TiquiéAM
AMP-Associação das Mulheres PareciMT
AMP-Associação das Mulheres PataxóMG
AOMP-Associação Oridiona das Mulheres ParesiMT
GRUMIN-Grupo Mulher - Educação IndígenaRJ
OMIR-Organização das Mulheres Indígenas de RoraimaRR
UNAMI-União Nacional das Mulheres IndígenasPR
CONAMI-Conselho Nacional de Mulheres Indígenas/Brasília
Bibliografia:
Atualmente, o mais aceito é o da auto-identificação étnica, segundo o qual o que classifica ou não um grupo de indivíduos como indígenas 'é o fato de eles próprios se considerarem índios ou não e de serem considerados índios ou não pela população que os cerca', como define o antropólogo Julio Cesar Mellati.
As informações de Roberto Homem Mello e outros estudiosos confirmam a existência de aproximadamente 300 organizações indígenas "muito diferentes entre si [que podem] representar membros de um povo ou parte dele (só as mulheres ou professores, por exemplo) ou vários povos de uma região". Se as organizações representadas pelos homens indígenas são entidades relativamente recentes, as dezesseis representações formadas pelas mulheres indígenas são mais recentes ainda. (v. quadro).
Denunciando o genocídio mascarado na esterilização, construindo caminhos contra todo tipo de preconceito, combatendo as discriminações dentro da própria sociedade em que vivem, representando comitês de saúde, educação e política e compartilhando as suas reivindicações, o movimento das mulheres indígenas "ganhou visibilidade e respaldo a partir da década de 90”, diz o Jornal Porantim, em marco de 2002; ressaltando que a energia desse movimento “está, aos poucos, se fortalecendo em todo país. São caminhos que apontam para a verdadeira dos povos indígenas, principalmente para as mulheres indígenas".
Vem de Roraima, um exemplo das mulheres indígenas. Conforme o Porantim, elas se mobilizam para “fortalecer as lutas dos povos Macuxi, Wapixana, Taurepang, Ingarikó, Wai Wai e Yanomami e contribuir para a coesão do movimento indígena e para as conquistas dos direitos territoriais". Com esse espírito, as indígenas enfrentaram em Roraima, os momentos difíceis para os índios de Raposa Serra do Sol. Segundo o Porantim, “quando os garimpeiros e a Polícia Militar tentaram desbloquear a barreira feita na Aldeia Machado, em 1992, as mulheres tomaram a frente dos maridos e conseguiram fazer com que as forças recuassem".
Em defesa dos seus direitos, as mulheres indígenas de Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia participaram do primeiro encontro estadual, em 1996. No ano seguinte, em Roraima, elas lideram a campanha contra o consumo de bebida alcoólica na aldeia. Nessa luta, duas tuxauas ganharam destaque: Diva de Souza, eleita a primeira mulher cacique na aldeia e Lindalva Peixoto que, em 1998, assumiu a secretaria do Movimento. Nesse mesmo ano, mais um encontro de mulheres indígenas reuniu lideranças Tupinambá e Pataxó (BA), Maxakali, Xakriabá, Krenak e Aranã (MG), Pankararu (PE), Tupinikim e Guarani (ES). Em abril de 2001, a Organização das Mulheres Indígenas de Roraima reuniu cerca de 200 mulheres para avaliar o Encontro que essa mesma entidade realizou em 1999, discutir os direitos assegurados na constituição de 1988, reivindicar a contra-instalação dos Pelotões Especiais de Fronteiras na Aldeia Uiramutã e na Aldeia Ericó e denunciar o comércio de bebida alcoólica nas comunidades, os abusos sexuais contra as índias Yanomami e a violência contra outras mulheres indígenas na região.
Na contra-comemoração dos 500, Maninha Xukuru (PE) publicou no Porantim o artigo “Marcha: uma resposta à fúria do opressor”, em que aborda o sentido de existência do pensamento indígena. Preocupação semelhante pode ser observada nos ensaios de Darlene Taukane, na entrevista de Eliane Potiguara e no pensamento de outras líderes indígenas no Brasil. A respeito de Eliane Potiguara, convém destacar um trecho de sua entrevista ao IbaseNet, em 2002, na qual ela discute a difícil situação da mulher indígena na cidade e na aldeia:
As mulheres indígenas, aos olhos da sociedade, estão abaixo do último degrau que compõe as camadas da sociedade. Indígenas, pobres, discriminadas, excluídas, invisíveis. São mão-de-obra escrava em plantios de cana-de-açúcar, algodão e outros. Se estão próximas a mineradoras, são objeto sexual de garimpeiros ou mineradores. Se estão nas cidades, empurradas por alguma razão social e política de sua nação, tornam-se prostitutas, objeto de tráfico internacional de mulheres, empregadas domésticas ou operárias mal-remuneradas.
Dentro das aldeias urge um trabalho de conscientização contra a violência sexual, o estupro, o assédio, o alcoolismo que resulta nas violências interpessoais, nas intrigas, nos distúrbios psicológicos, nos suicídios. Um programa imediato referente aos direitos reprodutivos e saúde integral deve ser implantado pelo governo e pelas ONGs. Urge um trabalho de conscientização nessas nações que mais sofreram com a neocolonização, ao lado dos povos Ressurgidos e dos Quilombolas.
Em síntese, reportando-nos às mobilizações consagradas ao Dia Internacional da Mulher, no Brasil, cabe assinalar a inclusão desse dia no calendário indígena. Em 1999, a líder Kaingang Ana da Luz Fortes do Nascimento, que foi matéria de capa, no Jornal Porantim, orienta que nessa luta devemos “multiplicar o cereal plantado”. Nesse ritmo, as organizações indígenas, no dia 8 de março de 2001, denunciaram o caso da esterilização de mulheres Pataxó Hã-hã-hãe, ocorrido na Bahia, em 1994. A agonia das Pataxó que é tema, também, de poesia de Eliane Potiguara, revela uma parte das “histórias não-contadas” ou “a terrível angústia causada pela ameaça dos Direitos Humanos desses povos, ocasionando a perda da identidade, a migração e o racismo”, como observa Potiguara.
O quadro que segue, ilustra a quase desconhecida força das representações das mulheres indígenas no Brasil:
ADMIR-Associação Desenvolvimento das Mulheres Indígenas de Roraima RR
AMA-Movimento Articulado das Mulheres da Floresta AmazônicaAC
AMAI-Associação das Mulheres de Assunção do IçanaAM
AMIARN-Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio NegroAM
AMICOP-Associação das Mulheres Indígenas do Centro-Oeste PaulistaSP
AMID - Associação das Mulheres Indígenas do Distrito de IauaretéAM
AMIK-Associação das mulheres indígenas KamebaAM
AMIMS-Associação das Mulheres Indígenas do Médio SolimõesAM
AMISM-Associação das Mulheres Indígenas Sateré-MawéAM
AMITRUT-Associação das Mulheres Indígenas de Taracuá, Rio Uapés e TiquiéAM
AMP-Associação das Mulheres PareciMT
AMP-Associação das Mulheres PataxóMG
AOMP-Associação Oridiona das Mulheres ParesiMT
GRUMIN-Grupo Mulher - Educação IndígenaRJ
OMIR-Organização das Mulheres Indígenas de RoraimaRR
UNAMI-União Nacional das Mulheres IndígenasPR
CONAMI-Conselho Nacional de Mulheres Indígenas/Brasília
Bibliografia:
Eliane Potiguara. Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global, 2003/ www.elianepotiguara.org.br
Graça Graúna. Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. São Paulo: Palavra de Índio (no prelo), 2005.
IbaseNet. http://www. ibase.br/ paginas/ potiguara.html. Acesso em 12 março 2002.
Jornal Porantim. Brasília/DF:Cimi, 1999, 2000, 2001, 2002.
Leonardo Boff. O casamento entre o céu e a terra. Rio de Janeiro: Salamandra, 2002.
Revista Problemas Brasileiros, n. 338, 2000, p. 6-7.
Literatura indígena: expressão de uma realidade no Flifloresta
Graça Graúna, em 24.nov.2008
Foto: José Farias, Manaus/AM.
Mesa temática: os índios na Amazônia - dominação e reconhecimento
Na floresta de saberes em que nos encontramos, não parece exagero afirmar que somos um pequeno e atrevido grupo de escritores e escritoras em busca de editor e consequentemente em busca de um lugar nas prateleiras de livrarias e desejosos também de habitar a estante de alguma casa deste país ou de qualquer lugar do mundo. Participaram desse encontro em torno da literatura indígena: Daniel Munduruku, Álvaro Tukano, Ely Macuxi, Cristino Peteira Wapixana, Lucio Flores Terena, Yaguarê Yamã, Eliane Potiguara, Manuel Moura Tucano, Kiara Apurina, Carlos Thiago e eu, Graça Graúna. Cabe destacar a apresentação da cantora Cláudia Tikuna e do grupo de música e dança dos Saterê-Maué que cantaram a riqueza das nossas tradições.
Essa ilustre desconhecida que é também a Literatura Indígena contemporânea no Brasil configura a sagração de cada momento em que escritores e artistas de diferentes nações indígenas atravessaram rios, pegaram estradas (em ônibus, trem e metrô) e cruzaram céus para participarem do I Encontro de Escritores Indígenas na região amazônica. Como se não bastasse, alguns dos nossos parentes até sobreviveram aos descasos de hospitais públicos para estarem aqui, apostando na vida que brota também da literatura; refiro-me ao Moura Tucano, um dos líderes do movimento presentes ao encontro e que em nome dos escritores indígenas, homenageou Maroaga, cacique legendário dos Waimiri-Atroari que resistiu até a morte contra a invasão das suas terras. Este é apenas um pedaço da realidade e apesar dos preconceitos literários, compartilhamos da celebração. Aqui estamos, distendendo as asas dos sonhos, nossos sonhos, para expor em prosa, em verso e outras formas de manifestação artística as experiências, as vivências e vidências oriundas de seculares tradições, nossas tradições indígenas. Existem poucos livros de literatura indígena no mercado editorial. Dizer isto não significa adotar uma postura pessimista, considerando que somos co-autores de um repertório milenar. Este é um fato que os jornais não contam e quando falam da nossa existência na cena literária brasileira, confundem a nossa arte como sendo algo folclorizado. Isto quer dizer também que ainda não nos livramos da visão etnocêntrica que nos sufoca há mais de 500 anos. São poucos os livros que atestam a nossa existência literária, mas é notória a grande quantidade de leitores desejosos de conhecer mais de perto o que pensamos, como vivemos, como lutamos, como sonhamos e porque escrevemos.A nossa literatura é fruto de séculos e séculos de história, memória e resistência; uma literatura revisitada, contada, recitada pelos parentes nas pequenas e grandes aldeias, no quintal de nossas casas e até mesmo nas margens de um igarapé. Os saberes ancestrais são a nossa referência; a força da nossa escrita reside na tradição oral: uma grande coadjuvante no contexto do patrimônio cultural brasileiro.
Outras referências nos aproximam, a começar pelo gosto de reunir a família e contar das andanças, dos perigos e sortilégios no seio da floresta ou em meio ao ruge-ruge das cidades grandes. Há muito ainda por dizer, por fazer. Por enquanto, cabe perguntar: qual o lugar da literatura indígena neste vasto mundo? Refletir a esse respeito é uma das maneiras de cumprir a nossa missão que é, dentre outras, fazer a leitura do mundo como sugeriu Paulo Freire. Ler e intuir, para não esquecer que “a intuição é mensageira da alma” como afirma Eliane Potiguara. Assim, também intuímos de Ana Froes do Nascimento, uma pensadora Kaingang, que por meio da leitura do mundo, do nosso mundo, multiplicamos o cereal plantado. Que assim seja e para saber mais a respeito do que escrevemos, basta um gesto simples que começa por um desejo: fazer parte da “teia da vida”, como dizem os nossos sábios. E não poderia ser diferente, pois o mundo é de todos e nesse universo cabe a beleza e a inteligência indígenas. Uma coisa é certa: a literatura nos une e é pelo direito de sonhar que estamos todos aqui.
Nota: matéria publicada no Overmundo
Comentários:
Nota: matéria publicada no Overmundo
Comentários:
- Wagner Marques disse...
- Acho que a mídia deveria injetar um evento dessa qualidade no rol de um dos grandes eventos literários de nosso País. Fiquei com água na boca!
- Ramon Diego disse...
- porra! muito boa idéia.Temos que valorizar a nossa cultura. Ps: se puder, d~e uma olhada no meu blog,(eu ficaria linsojeado com a sua presença).
- Deborah Icamiaba disse...
- Olá Graça. Sou paulistana, mas vivi anos em Recife. Estou organizando um Sarau Indígena na Casa das Rosas, casa da poesia paulistana. Gostaria de dialogar contigo para identificar poetas indígenas. Meu blog é ressurgenciaicamiaba.blogspot.com - quando puder, dê uma passadinha por lá. Abraços, Deborah Sexta-feira, 16 Janeiro, 2009