A história da literatura escrita por mulheres no Brasil parece uma verdadeira colcha de retalhos: alguns de feição belorizontina, outros de matiz nordestina, outra parte vinda do Sul, Sudeste e do Centro Oeste e de muitos lugares, também fora do Brasil.
Com este espírito surgiu em Belo Horizonte (MG), no ano de 1989, o movimento de mulheres escritoras; movimento este liderado por Tânia Diniz: poeta, contista, editora e responsável pela criação do Mural Poético Mulheres Emergentes – o sensual em cartaz – ou M.E, como é conhecido no meio literário, especialmente no campo das chamadas edições alternativas.
Rompendo cerco da ausência de patrocínio para publicar com poesia e tenacidade cada edição com tiragem de mil exemplares, o M.E configura um espaço aberto; um lugar de diálogo, um espaço pioneiro onde autoras e autores são publicados, especialmente pela qualidade literária, como diz a própria editora Tânia Diniz. Entre os autores convidados, destaca-se Carlos Nejar: poeta, ficcionista, critico, membro da Academia Brasileira de Letras e natural do Rio Grande do Sul. Com o Suplemento Especial do M.E, número 27, de 1996, os(as) leitores(as) de Mulheres Emergentes conhecem o talento de Nejar com alguns de seus poemas extraídos da obra Elza dos Pássaros ou a ordem dos Planetas.
Em sua trajetória, o M.E cumpriu seus objetivos divulgando a poesia em escolas de todos os níveis, em bibliotecas, congressos, feiras, exposições dentro e fora do país, e em dar espaço a poetas novos(as) ao lado de nomes consagrados a exemplo de Antonio Risério (BA) que aparece no suplemento 31, em 1997. No oitavo ano de sua edição, lutando contra a falta de patrocínio, contra preconceitos, falsidades e sabotagens o M.E superou os obstáculos e em 98, o suplemento 32 divulgou o fazer poético de mais quinze colaboradores(as), confirmando os ensinamentos de velho Quintana:
Todos esses que aí estão
atravancando o meu caminho,
eles passarão...
eu passarinho!
Em 1998, o suplemento M.E fala do calor de tantas águas de março e nesse ritmo, a editora Tânia Diniz mostra seu fôlego e resistência que se multiplica em mais mil exemplares do “sensual em cartaz” para refletir o dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, com as contribuições de Marina Colassanti (RJ), Myriam Fraga (BA), Susana Cataneo (Argentina), Carlos António Bengui (Angola), Fábio Weintraub (SP) e, entre outros(as), Luiz Alberto P. Kuchenbecker (PR) autor do seguinte poema:
Beijar você
é no fundo no fundo
bater com a língua nos dentes
botar a boca no mundo
Ainda em 1989, já comemorando seus dez anos, o ME dedica uma edição especial ao haikai ou haicai: um tipo de poema japonês do século XVII que tem em Matsuo Bashô a grande expressão poética do seu tempo. O suplemento 35 traz uma mostra de haikais de autores(as) brasileiros(as) e latinoamericanos, entre os quais: Octavio Paz (México), Victor Sanchez Montenegro (Colômbia) Santiago Risso (Peru), Teruko Oda (SP), Pablo Neruda (Chile), Flavio Herrera (Guatemala), Milor Fernandes (RJ), Yeda Prates Bernis e Wilmar Silva (MG) e haikais japoneses traduzidos por Olga Savary (RJ).
Em seu décimo ano (1999), o M.E fez um tributo ao poeta José Paulo Paes e em meio ao intenso clima poético em Belo Horizonte, com a Bienal Internacional da Poesia, o M.E se multiplicou na exposição dos seus murais pelas estações do metrô da cidade. O suplemento 37 e 38 brindam as mulheres emersas, emergentes ou por emergir; brindam o leitor, a leitora no décimo ano de existência e comemorações, pelo bem do planeta e dos homens, como sugere este fragmento do poema Romance, de Thiago de Melo, no suplemento 38:
[...]
Que te cante a paz no peito
Não é benção para mim,
que perto estou já do fim.
Te quero tanto, que tanto
Dentro de ti me perdi.
Só por sonhar que erga vôo
de pássaro prisioneiro
a luz que lateja em ti.
O M.E inaugura o ano 2000 dedicando seu número 40 ao talento poético da mineira de Cataguases, Maria do Carmo Ferreira - Carminha, com destaque a alguns de seus poemas publicados entre 1969-1999. Ainda no ano 2000, o ME publica o talento dos que participaram do Terceiro Concurso Internacional de Poesia. Em 2001, mais uma vez o ME teve um round perdido e apesar da falta de incentivo conseguiu, assim mesmo, levar ao público cinco números (do 44 ao 48) em um único suplemento, mas “caminhando com orgulho e alegria na tortuosa senda” do fazer poético. Em 2002, ao completar treze anos, o ME mostra-se, mais uma vez, embalado pela espera de que dias melhores virão, e tocado pela irreparável perda de um irmão das letras que virou estrela em 21 de junho daquele mesmo ano: Roberto Drummond, o autor de Hilda Furacão.
Com poemas, contos e ilustrações, a Antologia M.E 18 conta com apresentação de Leila Miccolis (Blocos on-line/RJ) e Constancia Lima Duarte (Ufmg/BH). Na opinião de Leila: “por tantas e todas essas diferenças, Mulheres Emergentes se distingue, se sobressai no panorama cultural do país nesses dezoito anos de atividades, oferecendo a doçura de seus belos frutos e o abrigo de sua frondosa copa à Árvore do Saber”.
O nome Mulheres Emergente é uma alusão ao livro de Natalie Rogers, uma conhecida psicoterapeuta americana; um livro que figurou entre os mais sucedidos na década de oitenta. Para Constância Duarte, a psicoterapeuta acreditava no poder da manifestação artística como parte do processo terapêutico e que sua obra promovia o auto-conhecimento por meio da liberação criativa e emocional. Nesta perspectiva, Constância comenta:
foi bem isso que Tânia Diniz realizou através das edições do ME. Ao estampar – em alto e bom som – tantas promessas literárias, tantas confissões da intimidade, o Mulheres Emergentes consolidou a auto-estima de jovens poetas, e liberou, pela verbalização, muito da sensualidade feminina.
Esta vertente da literatura brasileira chamada Mulheres Emergentes – Edições Alternativas - traduz-se num constante garimpo e trabalho aglutinador que reúne também vozes masculinas que se achegam para cantar o seu lado feminino, “para melhor louvá-las e conviver”. Por tudo isso, Tânia Diniz comemora os dezoito anos de seu mural poético com vários projetos, a exemplo do mais recente que é a Antologia ME 18. Brindemos então à maioridade literária do M.E, aos autores e autoras que fazem parte dessa história: Silvia Anspach, Bárbara Lia, Lúcia Serra, Vera Casa Nova, Teruko Oda, Iara Vieira, Johnny Batista Guimarães, Hugo Pontes, Adão Ventura, Eliane Accioly Fonseca, Graça Graúna e Sandro Starling, entre outros. Na Antologia ME 18, um fato inédito; a presença de três filhas e suas respectivas mães que se juntam no oficio da escrita. Nas palavras de Tânia, trata-se de:
Raquel Naveira e sua Letícia, Elza R. Amaral e sua Beatriz, e eu mesma, Tânia Diniz, e minha amada Ana Carol, a primogênita, que começa a se aventurar nos minicontos. Outra coisa, é o fato de mostrar a diversidade do ME e assim teremos poemas, pequenos contos e ilustrações.E uma amostra mínima , do mapa nacional e internacional, de onde circula nossa poesia ME! Então, maioridade conquistada, um brinde 'a longa estrada que se descortina!
Enquanto eu burilava este artigo, recebi uma comunicação de Tânia Diniz, confirmando que o ME – “o sensual em cartaz” – está no forno; daqui um pouco sai. Claro, o espetáculo deve continuar. Agora, depois da antologia, seguramente, o ME retorna, fênix da poesia invencível, diz Tânia em comunicação pessoal. Assim, caminha a edição alternativa ME e é nesse ritmo que a sua idealizadora mostra tanto entusiasmo, ao ver que essa colcha de retalhos, isto é, que esta vertente da literatura brasileira foi se formando em meio ao desejo de cada autora e de cada autor se fazer presente, de ousar, de mostrar e dizer seus receios por meio da escrita.
Graça Graúna, Nordeste do Brasil