Vozes
indígenas do Nordeste são eco e semente do canto da Terra
Graça
Graúna
(Potiguara/RN)
Posso falar do meu jeito? Por onde devo começar?
Escrever: por que, pra que, pra quem? Qual é o meu lugar nessa história? Estas
perguntas não partem de um só individuo, embora esteja implícita nelas a
primeira pessoa do singular. Quando se
trata de memórias vindas dos povos originários, a voz do texto é plural, é
coletiva porque é do coletivo que brota a esperança da terra. Nesta perspectiva,
o livro “Memórias indígenas do Nordeste” se complementa aos “Percursos
cartográficos”. Somos um porque somos filhos da Terra.
Meu coração bateu forte com a chamada do vento
metamorfoseado numa convocatória aos parentes indígenas do Nordeste para somar
memórias, histórias, resistência... num só movimento. Porque somos um, intuímos
que:
O Planeta está vivenciando uma nova grande virada e já não é
mais possível ser separado... Para sobrevivermos temos que viver sendo parte da
Natureza, temos que respirar junto com toda vida, compondo nosso organismo
vivo, que o científicos chamam de Gaia e nós, aqui, de Mãe Terra. Na nova era
não existe mais a divisão, não faz mais sentido falar de você separado de
mim... Somos um. (GERLIC, em depoimento pessoal, 24.abr.2015).
Com esse espírito, a convocatória se
transformou na vigésima terceira edição da coleção “Índios na visão dos
índios”, da Ong Thydêwá. Mais um livro
coletivo e na sua largueza duplamente intitulado: “Memórias do movimento
indígena do Nordeste” e “Percursos cartográficos”; lançado em meio as
manifestações da Semana dos Povos Indígenas no Brasil, em 2015
Com a chamada do vento, o primeiro capítulo organizado
por Gabriela Saraiva de Melo e Sebastián Gerlic reúne as memórias (em verso e
em prosa) dos parentes Fulni-ô (PE), Kanindé (CE), Karapotó (AL), Kariri-Xocó
(AL), Pankararu (PE), Pataxó (BA), Pataxó Hãhãhãe (BA), Payaya (BA), Potiguara
(PB e RN), Quixelô (CE) e Tupinambá (BA). O segundo capítulo foi organizado por
Laila T. Sandroni, Bruno Tarin e Jaborandy Tupinambá e trata dos percursos
vivenciados também pelos Karapotó Plaki-ô, Kariri-Xocó, Pankararu, Pataxó de
Barra Velha, Pataxó de Cumuruxatiba, Pataxó Hãhãhãe, Tupunambá e Xokó (SE).
Memória e percurso não se separam, tanto assim
que peço licença para externar as emoções durante os lançamentos do nosso livro
na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 10 de abril e na
Universidade de Pernambuco (UPE), Garanhuns, em 15 de abril. Na UERJ,
o pequeno auditório ficou lotado; a Profª Rita de Cássia Miranda Diogo abriu as
portas do Curso de Mestrado em Literatura Brasileira e nos ofereceu uma manhã
recheada de curiosidades, conversa, poesia e admiração à história e à cultura indígenas. O
nosso livro foi lançado virtualmente, pois o Correios atrasaram na entrega; mas isto não invalidou o lançamento, considerando que a Thydêwá
disponibilizou no site (www.thydewa.org/downloads) o nosso livro em download. Com efeito, isto gerou na plateia o desejo de acessar o livro,
gratuitamente. Na ocasião, o Prof. José Bessa apresentou uma calorosa
apreciação à nossa publicação e
enfatizou a riqueza que é um trabalho coletivo dessa natureza. Alguns alunos não
esconderam suas emoções ao relatarem o momento impar no contato com as memórias
indígenas compartilhadas pelos próprios indígenas.
Na Upe, o lançamento contou com a doce
presença da parente guerreira Elisa
Pankararu. A Profª Jaciara Josefa Gomes, Coordenadora de Letras, acolheu a
presença de todos que surperlotaram o auditório. O lançamento contou com o
apoio do Grupo de Estudos Comparados: literatura e interdisciplinaridade
(Grupec) que organizou o evento. Elisa abordou sobre a educação nas aldeias e a
sua trajetória no movimento indígena. Na ocasião, fiz leituras dos percursos cartográficos
do Cacique Bá (Xokó), de Nhenety (Kariri-Xocó) e da memória dos Pataxó, de
Reginaldo Kanindé, de Marleide Quixelô e
muitos outros parentes. À medida que Elisa e eu falamos, as imagens do nosso
livro foram projetadas no telão. Houve perguntas sobre a lei 11645/08 e muitas
demonstrações de afeto em torno da nossa cultura e história indígena. Uma
curiosidade: no horário noturno, os alunos geralmente largam mais cedo; dessa
vez foi diferente, pois o tempo se
estendeu com a plateia de estudantes e professores (de diferentes Cursos) relatando também suas impressões em torno dos
saberes indígenas e a beleza gráfica do nosso livro.
Confesso
uma certa preocupação com o tempo que é tão curto para dar conta de tantos
saberes indígenas e não indígenas e pelas tantas leituras do mundo que intuímos
também do mestre Paulo Freire. Por outro lado, acolho com serenidade os sinais
de esperança que brotam da terra em meio a luta de cada dia em que homens,
mulheres, crianças, jovens, anciãos e anciãs indígenas enfrentamos ao longo do
caminhar. Porque faz parte da luta a consciência pelo direito da terra, faço minha
a leitura do mundo de Xahey Marlene Pataxó (BA): “Eles falam que nós índios
somos preguiçosos e para que nós queremos terra, se nós não trabalhamos em cima
dela? [...] queremos nossa terra para viver de nosso jeito, para criarmos os
nossos filhos e netos, tataranetos, de nosso jeito” (p.22).
“Memórias do movimento indígena do Nordeste” e “Percursos cartográficos”: um livro coletivo contado,
cantado, escrito, protagonizado por indígenas. Um livro que é fruto da
consciência de que somos um na luta pelo reconhecimento, pela recuperação do território,
pelo fortalecimento cultural, pela afirmação identitária, pelo respeito as
diferenças.