Lideranças indígenas com a Presidenta Dilma
Imagem: Blog do Planalto
Carta Pública dos Povos Indígenas do
Brasil à presidenta da República Dilma Rousseff
À
Excelentíssima Senhora
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do
Brasil
Brasília-DF
Estimada Presidenta:
Nós lideranças indígenas de distintos
povos e organizações indígenas das diferentes regiões do Brasil, reunidos nesta
histórica ocasião com a vossa excelência no Palácio de Governo, mesmo em número
reduzido, mas o suficientemente informados e profundamente conhecedores, mais
do que ninguém, dos problemas, sofrimentos, necessidades e
aspirações dos nossos povos e comunidades, viemos por este meio manifestar,
depois de tão longa espera, as seguintes considerações e
reivindicações, que esperamos sejam atendidas pelo seu governo como início da
superação da dívida social do Estado brasileiro para conosco, após séculos de
interminável colonização, marcados por políticas e práticas de violência, extermínio,
esbulho, racismo, preconceitos e discriminações.
Estamos aqui, uma pequena mas
expressiva manifestação da diversidade étnica e cultural do país, conformada
por 305 povos indígenas diferentes falantes de 274 línguas distintas com uma
população aproximada de 900 mil habitantes conforme dados do IBGE. E em nome
desses povos que:
- Reiteramos o nosso rechaço à
acusação de que somos empecilhos ao desenvolvimento do país numa total
desconsideração da nossa contribuição na formação do Estado Nacional
brasileiro, na preservação de um patrimônio natural e sociocultural invejável,
inclusive das atuais fronteiras do Brasil, das quais os nossos ancestrais foram
guardiães natos. Contrariamente aos que nos acusam de ameaçarmos a unidade e
integridade territorial e a soberania do nosso país.
- Repudiamos toda a série de
instrumentos político-administrativos, judiciais, jurídicos e legislativos, que
buscam destruir e acabar com os nossos direitos conquistados com muita luta e
sacrifícios há 25 anos, pelos caciques e lideranças que nos antecederam,
durante o período da constituinte.
- Somos totalmente contrários a
quaisquer tentativas de modificação nos procedimentos de demarcação das terras
indígenas atualmente patrocinados por setores de seu governo, principalmente a
Casa Civil e Advocacia Geral da União (AGU), visando atender a pressão e
interesses dos inimigos históricos dos nossos povos, invasores dos nossos
territórios, hoje expressivamente representados pelo agronegócio, a bancada
ruralista, as mineradoras, madeireiras, empreiteiras, entre outros.
- Não admitiremos retrocessos na
garantia dos nossos direitos, por meio de iniciativas legislativas
que poderão condenar os nossos povos
a situações de indesejável miséria, etnocídio e conflitos imprevisíveis como já
se verifica em todas as regiões do país, principalmente nos estados do
Sul e no Estado de Mato Grosso do Sul.
- Rechaçamos a forma como o governo
quer viabilizar o modelo de desenvolvimento priorizado, implantando a qualquer
custo, nos nossos territórios, obras de infra-estrutura nas áreas de transporte
e geração de energia, tais como, rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas
hidroelétricas, linhas de transmissão, desrespeitando a nossa visão de mundo, a
nossa forma peculiar de nos relacionar com a Mãe Natureza, os nossos direitos
originários e fundamentais, assegurados pela Carta Magna, a Convenção 169 e a Declaração
da ONU.
Reivindicações
Diante deste manifesto, expressamos
as seguintes reivindicações:
1. A incidência do governo junto
a sua base para o arquivamento das Propostas de Emendas à Constituição (PEC)
038 e 215 que pretendem transferir para o Senado e Congresso Nacional
respectivamente a competência de demarcar as terras indígenas, usurpando uma
prerrogativa constitucional do Poder Executivo.
2. Reivindicamos o mesmo procedimento
para a PEC 237/13 que visa legalizar o arrendamento das nossas terras, do PL
1610/96 de Mineração em Terras Indígenas, do PL 227/12 que modifica a
demarcação de terras indígenas, entre outras tantas iniciativas que pretendem
reverter os nossos direitos constitucionais.
3. O Governo deve fortalecer e dar
todas as condições necessárias para que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI)
cumpra devidamente o seu papel na Demarcação, proteção e vigilância de todas as
terras indígenas, cujo passivo ainda é imenso em todas as regiões do país,
mesmo na Amazônia onde supostamente o problema já teria sido resolvido. Não
admitimos que a FUNAI seja desqualificada nem que a Embrapa, Ministério da
Agricultura e outros órgãos, desconhecedores da questão indígena, venham a
avaliar e supostamente contribuir nos estudos antropológicos realizados pelo
órgão, só para atender interesses políticos e econômicos, como fizera o último
governo militar ao instituir o famigerado “grupão” do MIRAD, para “disciplinar”
a FUNAI e “avaliar” as demandas indígenas.
4. Para a demarcação de terras
indígenas propomos a criação de um Grupo de Trabalho, com participação dos
povos e organizações indígenas no âmbito do Ministério da Justiça e da Funai
para fazer um mapeamento, definição de prioridades e metas concretas de
demarcação.
5. Não aceitamos a proposta de
criação de uma Secretaria que reúna a FUNAI com a Secretaria Especial de Saúde
Indígena (SESAI), prejudicando o papel diferenciado de cada órgão.
6. Exigimos a revogação de todas as
Portarias e Decretos que ameaçam os nossos direitos originários e a integridade
dos nossos territórios, a vida e cultura dos nossos povos e comunidades:
6.1. Portaria 303, de 17 de julho de
2012, iniciativa do poder Executivo, por meio da Advocacia Geral da União (AGU)
que estende equivocadamente a aplicação para todas as terras a aplicabilidade
das condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no
julgamento do caso Raposa Serra do Sol (Petição 3.388/RR), que ainda não
transitou em julgado.
6.2. Portaria 2498, de 31 de outubro
de 2011, que determina a intimação dos entes federados para que participem dos
procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas, sendo que o
Decreto 1.775/96 já estabelece o direito do contraditório.
6.3. Portaria Interministerial 419 de
28 de outubro de 2011, que restringe o prazo para que órgãos e entidades da
administração pública agilizem os licenciamentos ambientais de empreendimentos
de infra-estrutura que atingem terras indígenas.
6.4. Decreto nº 7.957, de 13 de março
de 2013. Cria o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio
Ambiente, regulamenta a atuação das Forças Armadas na proteção ambiental e
altera o Decreto nº 5.289, de 29 de novembro de 2004. Com esse decreto, “de
caráter preventivo ou repressivo”, foi criada a Companhia de Operações
Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública, tendo como uma de suas
atribuições “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos
sobre impactos ambientais negativos”. Na prática isso significa a criação de
instrumento estatal para repressão militarizada de toda e qualquer ação de
povos indígenas, comunidades, organizações e movimentos sociais que decidam se
posicionar contra empreendimentos que impactem seus territórios.
7. Reivindicamos também do Governo
Brasileiro políticas públicas especificas, efetivas e de qualidade, dignas dos
nossos povos que desde tempos imemoriais exercem papel estratégico na proteção
da Mãe Natureza, na contenção do desmatamento, na preservação das florestas e
da biodiversidade, e outras tantas riquezas que abrigam os territórios
indígenas.
- Na saúde, efetivação da Secretaria
Especial de Saúde Indígena e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas, para
a superação dos distintos problemas de gestão, falta de profissionais, de
concurso específico para indígenas, plano de cargos e salários, de assistência
básica nas aldeias, entre outros.
- Na Educação, que a legislação que
garante a educação específica e diferenciada seja respeitada e implementada,
com recursos suficientes para tal e que seja aplicada imediatamente da Lei
11.645, que trata da obrigatoriedade do ensino da diversidade nas escolas.
- Na área da sustentabilidade,
instalação do Comitê Gestor da PNGATI e de outros programas específico para os
nossos povos, com orçamento próprio.
- Para a normatização, articulação,
fiscalização e implementação de outras políticas que nos afetam, criação
imediata do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), cujo Projeto de
Lei (3571/08) não foi até hoje aprovado na Câmara dos Deputados.
8. Reivindicamos ainda do Governo, o
cumprimento dos acordos e compromissos assumidos no âmbito da Comissão Nacional
de Política Indigenista (CNPI), relacionados com a tramitação e aprovação do
Estatuto dos Povos Indígenas no Congresso Nacional.
9. Considerando que esta reunião com
a Vossa Excelência acontece no contexto de muitos outros protestos pelo país
inteiro, manifestamos a nossa solidariedade a outras lutas e causas sociais e
populares que almejam como nós um país diferente, plural e realmente justo e
democrático. Pela também regularização e proteção das terras quilombolas,
territórios pesqueiros e de outras comunidades tradicionais, e pela não
urgência do PL do novo marco regulatório da mineração, para assegurar a
participação da sociedade civil na discussão deste tema tão estratégico e
delicado para a nação brasileira.
10. Reafirmamos por tudo isso, a
nossa determinação de fortalecer as nossas lutas, continuarmos vigilantes e
dispostos a partir para o enfrentamento político, arriscando inclusive as
nossas vidas, mas também reiteramos a nossa disposição para o diálogo aberto,
franco e sincero, em defesa dos nossos territórios e da Mãe Natureza e pelo bem
das nossas atuais e futuras gerações, em torno de um Plano de Governo para os
povos indígenas, com prioridades s e metas concretas consensuadas conosco.
11. Chamamos, por fim, aos nossos
parentes, lideranças, povos e organizações, e aliados de todas as partes, para
que juntos evitemos que a extinção programada dos nossos povos aconteça.
Brasília-DF, 10 de julho de 2013.
APIB - ARTICULAÇÃO DOS POVOS
INDÍGENAS DO BRASIL