Das palavras e seus
silêncios
Graça Graúna
Falta pouco para
fecharmos mais um ciclo do tempo em nossas vidas. Isto significa que devemos estar
atentos a mais um rito de passagem para o novo.
Por onde começar? Para
onde ir? Por que e para que refletir sobre os tantos caminhos que haveremos de
percorrer? O que virá? Que escolha fazer: o caminho do diálogo ou o seu oposto?
Dizer não à intolerância, ao machismo, ao preconceito e a outras formas de
violência é uma maneira de colocar-se a serviço da humanidade.
Falta pouco para
fecharmos mais um ciclo do tempo em nossas vidas.
Um caminho possível
para intuir o que virá reside no desafio que é amar o outro; diga-se de
passagem, uma travessia difícil, pois à medida que não respeitamos as
diferenças, aguçamos em nós a falta de fé no outro. Nesta perspectiva, tomo a liberdade de
compartilhar as palavras e os seus silêncios que alimentam as dezenas de entrevistas
que o jornalista Lauro Henriques Jr. realizou para compor o livro: Palavras de
poder (Editora Leya, São Paulo, 2011, volume Brasil). Dessa obra, entre os entrevistados,
sublinho as palavras de Pedro Casaldáliga (pp. 131-143).
A propósito do poder
que tem as palavras, o bispo da terra sem males enfatiza: “É preciso colocar a
fé e a esperança em nome da solidariedade. Crer que uma nova vida é possível é
o primeiro passo para que ela se realize” (p. 132). Ao refletir sobre o papel
da fé na construção da humanidade, Casaldáliga ressalta que o diálogo entre os
diferentes credos não deve limitar-se ao aspecto religioso, considerando que, juntas,
as religiões ampliem as perspectivas de atender “aos desafios da atualidade: a
fome, o armamentismo, a intolerância, o machismo, a depredação ecológica”(p.
134). No eixo dessa comunicação, Casaldáliga adverte que as pessoas não precisam
renunciar a crença, a etnia para reconhecer-se cidadão ou cidadã do mundo. Em
outras palavras, ele acrescenta: “só quem vive a sua identidade de modo sereno,
adulto, é capaz de dialogar. [...] Se não criarmos uma cultura de paz a partir
do próprio coração, não tem saída” (p.134).
Casaldáliga fala dos
sinais de esperança que se manifestam, por exemplo, na solidariedade entre os diferentes
povos; solidariedade que se transforma em bandeira de paz ou como ele sugere à
luz da poesia da nicaraguense Gioconda Belli: “a solidariedade é a ternura dos
povos” (p. 135).
Da relação entre
religião e política, ele observa que na maioria dos países a separação entre
Igreja e Estado é positiva; para que essa relação se concretize é necessário
que as pessoas “saibam conjugar a sua fé com a sua cidadania e, motivados por
essa fé, sejam mais éticos e mais comprometidos com o próximo” (p.135). Ainda
sobre esse exercício de cidadania, Casaldáliga menciona o espetáculo que foi a “Missa
da terra sem males”, na década de 1970, em defesa da causa indígena. A missa
contou com a parceria de Milton Nascimento (cantor) e Pedro Tierra (poeta). Na mesma época, Dom
Casaldáliga celebrou a Missa dos Quilombos em defesa da causa negra.
Quanto ao papel da
arte, da poesia em nossas vidas, Casaldáliga cita Santo Agostinho: “cantar é
rezar suas vezes” e orienta que: “falar poeticamente é comunicar-se com a boca e
com os olhos, enviando um pouco da própria alma em cada palavra que se diz”
(p.136).
Eu passaria aqui, horas
e horas sublinhando as boas palavras do bispo de Araguaia, mas prefiro deixar esta
leitura em aberto a fim de que outros(as) leitores(as) intuam sobre o desafio que
é “a convivência no respeito, no estímulo, no carinho” (p.139); ou sobre a
utopia de que trata Casaldáliga à luz do pensamento de Eduardo Galeano: “a
utopia é como um horizonte: a gente não alcança nunca, mas, graças a ela,
continuamos caminhando” (p.141).
Porque falta pouco
para fechar mais um rito de passagem em nossas vidas, reitero a importância de
repensar acerca do nosso lugar no mundo, sem medo de enfrenta-lo e sobre os
nossos desejos de tornar o mundo melhor.
Nordeste do Brasil, 25 de dezembro de 2016
Graça Graúna