GRAÚNA,
G. Contrapontos da literatura indígena
contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza, 2013.
Maurício Silva
(Universidade Nove de Julho,
Avenida Francisco Matarazzo, 612,
05001-000,
São Paulo, São Paulo, Brasil).
E-mail: maurisil@gmail.com
Deve parecer, ‘no
mínimo’, curioso a muitos leitores um livro que trata da produção literária
indígena no Brasil, já que, para muitos interessados na expressão literária
nacional - mesmo aqueles especialistas em crítica e historiografia literárias
-, a existência de uma literatura indígena brasileira deve soar como algo, ‘no
máximo’, hipotético. Isso pode ser tanto mais estranho, ao pensarmos não apenas
numa literatura brasileira indígena, mas ainda numa literatura ‘contemporânea’
e que pode ser discutida na perspectiva de seus ‘contrapontos’...
É exatamente isso que
faz a pesquisadora e professora universitária de origem indígena Graça Graúna,
em seu mais recente livro: “Contrapontos da literatura indígena contemporânea
no Brasil” (GRAÚNA, 2013).
A autora começa
definindo a literatura indígena contemporânea nos seguintes termos:
[...] a
literatura indígena contemporânea é um lugar utópico (de sobrevivência), uma
variante do épico tecido pela oralidade; um lugar de confluência de vozes silenciadas
e exiladas (escritas), ao longo dos mais de 500 anos de colonização. Enraizada
nas origens, a literatura indígena contemporânea vem se preservando na
auto-história de seus autores e autoras e na recepção de um público-leitor
diferenciado, isto é, uma minoria que semeia outras leituras possíveis no
universo de poemas e prosas autóctones (GRAÚNA, 2013, p. 15).
Desse modo, a autora se
propõe a estudar um conjunto de obras de autores da literatura indígena
contemporânea de língua portuguesa, com base nos estudos culturais, propondo
uma ‘leitura das diferenças’. Assim, sua abordagem não apenas confronta a atual
produção literária indígena no Brasil com a produção não indígena, mas também
busca discutir a relação daquela com conceitos como os de identidade,
auto-história, deslocamento, alteridade e outros, numa perspectiva que se
assenta na ‘transversalidade’.
Para
Graça Graúna, a literatura indígena no Brasil continua sendo negada, da mesma
forma que os próprios povos indígenas, apesar da luta em favor deles, desde a
década de 1970, pela União das Nações Indígenas (UNI); da inclusão dos direitos
dos índios na Constituição de 1988; do surgimento, nos anos 1990, do Conselho
de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil (Capoib) etc.
Lembrando
que
[...] o estudo
da representação do negro e do índio na literatura requer uma abordagem
específica [...] A expressão artística do ameríndio e do africano sugere uma
leitura das diferenças, pois o ato de conhecer o outro implica o ato de
interiorizar a história, a autohistória, as nossas raízes (GRAÚNA, 2013, p.
47),
a autora faz ainda uma revisão sucinta
da influência e da representação do índio na literatura ocidental, em
particular na brasileira, até chegar na literatura indígena contemporânea, que
exprimem, entre outras coisas, um sentido de resistência e de sobrevivência, o
direito à palavra oral ou escrita, a denúncia do neocolonialismo e da opressão
linguística e cultural etc. Procura estudar, nesse sentido, com mais
profundidade, a produção literária de Eliane Potiguara, Daniel Munduruku,
Saterê Yamã, Olívio Jekupé e Renê Kithãulu.
Concluindo, a autora
afirma:
Reconhecer a
propriedade intelectual indígena implica respeitar as várias faces de sua
manifestação. Isso quer dizer que a noção de coletivo não está dissociada do
livro individual de autoria indígena; nunca esteve, muito menos agora com a
força do pensamento indígena configurando diferenciadas(os) estantes e
instantes da palavra. Ao tomar o rumo da escrita no formato de livro, os mitos
de origem não perdem a função nem o sentido, pois continuam sendo transmitidos
de geração em geração, em variados caminhos: no porantim, no traçado das
esteiras e dos cestos, na feitura do barro, na pintura corporal, nas contas de
um colar, na poesia, na contação de histórias e outros fazeres identitários que
os Filhos e as Filhas da Terra utilizam como legítimas expressões artísticas,
ligando-as também ao sagrado (GRAÚNA, 2013, p. 172).
Mobilizando um vasto
cabedal de teorias e perspectivas metodológicas, que vão da antropologia
(Clifford, Mindlin, Clastres) aos estudos culturais (Hall, Bhabha, Canclini),
passando ainda pela teoria literária, pela filosofia e pela história, Graça
Graúna nos oferece um estudo perspicaz e inteligente de um assunto ainda pouco
explorado pela academia, mas que merece não apenas ser mais pesquisado, mas
principalmente mais conhecido e respeitado pelos leitores e pesquisadores de
nossa cultura. E seu livro constitui um importante passo nessa direção.
References
GRAÚNA,
G. Contrapontos da literatura indígena
contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza, 2013.
Received
on August 12, 2014.
Accepted
on May 15, 2015.
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Acta Scientiarum.
Language and Culture Maringá, v. 37, n. 3, p. 327-328, July-Sept., 2015