Foi num sábado à noite. No local do encontro, mesclas do infinito; coisas que acontecem, quando as lembranças se transformam em festa com as boas palavras de Antonio Viana: um escritor.
A sala estava cheia. Adultos e crianças em meio ao encanto. Ao meu lado, um casal idoso deu-me a impressão de que não perdera o hábito de ouvir “Músicas e lágrimas”, de Glen Miller. Ele, muito discreto, guarda uma semelhança com aqueles homens desenhados nos reclames coloridos dos cigarros americanos de 1932. Ela, provavelmente da mesma época e exuberante no vestido de seda azul claro, me deixou também a impressão de que acabara de sair de um quadro em moldura oval, desses que ocupam um lugar muito especial em uma sala grande. Não sei a cor dos seus olhos; se azuis, ou castanhos; traços do rosto que eu quase desconheço. O tom da voz, eu não sei. Na verdade, procurei resguardar minha curiosidade sobre o casal para não quebrar o encanto. Coisas de leitor, de leitora: primeiro, o livro. Depois, o filme.
História & histórias. Ficção e realidade. Ah, os livros! Na passagem para o poético, um festim de personagens: Pessoa e pessoas, Alberto, Francelina, Luzilá, Rilke, Abigail, Victor Hugo, Neruda, Lorca, Whitman, quase todos os nomes no espaço sedutor – o texto. E o leitor como se sentem? Certamente, desejoso também de exercitar no seu ritmo algumas lembranças. Engraçado, eu nem me lembrava mais da experiência de sentir, à maneira de Viana e Drummond, essa prévia saudade de ler um livro. Não foi à toa que eu me guardei na minha ânsia, diante da tentação de folhear uma das gêneses da obra. Bom mesmo é esperar o momento certo para abraçar o livro. E o autor? Sim, é permitido abraça-lo também; porque as boas lembranças aquecem. E o narrador, onde está? Em meio à ânsia coletiva, como geralmente ocorre em lançamento de livro; está na “fronteira entre o histórico, a ficção e o memorialismo”, como dizem os teóricos.
Fez-se um rápido silêncio. Eis o Autor! - disse um amigo. Ao meu lado, um casal idoso contemplava o homem quase-menino que acabara de chegar. Nesse momento, duas sábias mulheres se aproximaram e contaram histórias sobre os muitos caminhos desse homem: cidadão do mundo, filho da ausência, irmão da confiança, habitante também de Pasárgada.
Bastou essa palavra: Pasárgada! E abriu-se uma porta mágica. Através dela, o Autor foi chegando manso, tranqüilo, cobrindo a todos com um raio de luz. Sobre a mesa, lembranças em papel e tinta evocam o ad-infinito.
Graça Graúna, Solar da Serra/DF, 3 de janeiro de 2009.
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Graça Graúna. Crônica para um narrador. In: BARRETO, R. Paes (Org.).
Opúsculo de múltiplas vozes sobre o Festim das lembranças, de Antonio Viana. Recife: Cia. Pacífica, 1999, p. 37-38.