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16 junho 2012

Rio+20: Povos indígenas querem inserir suas demandas nos três eixos do desenvolvimento sustentável


Credito da Imagem: http://racismoambiental.net.br/2012/03/cupula-dos-povos-o-movimento-indigena-e-a-rio20/


Mesa de diálogo promovida pela Inbrapi discutiu avanços, conhecimento tradicional, diálogo com a ciência e identidade.
O Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi) abriu sua programação na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, ontem (14), na Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, com propostas de diálogos com ênfase no protagonismo dos povos indígenas e comunidades tradicionais na construção de um futuro sustentável.
As discussões da mesa 'Povos Indígenas e Sustentabilidade Econômica, Ambiental e Cultural: Rio+Quanto?' giraram em torno de desafios e expectativas desses povos para inserir suas demandas nos três pilares do desenvolvimento sustentável: econômico, social e ambiental. Rute Andrade, secretária-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), conta que o evento promoveu "um diálogo entre povos indígenas e comunidades tradicionais com os cientistas, no sentido de que haja uma parceria realmente". Edna Castro, socióloga e professora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, destacou a presença de índios Kaingang do Rio Grande do Sul, e guaranis, além de índios do Mato Grosso, alguns deles estudantes de pós-graduação em grandes cidades.

Uso do conhecimento tradicional - Fernanda Kaingang, diretora executiva do Inbrapi e que atuou como moderadora da mesa, comenta que o Rascunho Zero da Rio+20 cita a questão do conhecimento tradicional, mas não menciona, por exemplo, discussões cruciais como a repartição de benefícios e o consentimento prévio informado para pesquisas. "O uso de conhecimento tradicional sem a repartição e sem o consentimento é apropriação indevida", ressalta. "Eles têm alguns conhecimentos sagrados que não podem ser divulgados, mas o conhecimento que pode ajudar significa soluções para os dilemas que estamos enfrentando. Eles estão entrando nas universidades para serem ouvidos", destaca Rute.
Nesse sentido, Edna lembrou a dificuldade da sociedade ocidental, "de formação colonial, patrimonialista e autoritária", de perceber o conhecimento "do outro". "Ao longo dos séculos, houve uma produção de invisibilidade, que colocou o conhecimento e culturas de povos indígenas e quilombolas na obscuridade. Nossa ciência é tributária do conhecimento ocidental e, por isso, incapaz de perceber o que está fora de seu universo", destaca.
Edna reforça que questões atuais como as mudanças climáticas, os desastres naturais e o esgotamento dos modelos de crescimento podem receber contribuições desses povos. "Eles querem a academia ao lado deles para poderem lutar pelo que eles acreditam e manter a conservação da biodiversidade, que vem deles e não de nós", acrescenta Rute.

Diferentes sistemas - "O diálogo de saberes é importante, porém, numa dimensão democrática, sem o olhar autoritário [da ciência], e sim com reconhecimento de valores de igual para igual", sublinha Edna. A socióloga também destaca o estabelecimento de uma nova forma de os índios e comunidades tradicionais se colocarem na sociedade. "Esses povos, hoje, no Brasil e no mundo, trazem afirmação política importante que faz com que relativizemos a questão da ciência", argumenta.
Além disso, Edna sublinha que esses saberes tradicionais não representam apenas conhecimento, mas também sistemas de conhecimento. "Com esses sistemas eles conseguiram, ao longo de milênios, sobreviver e produzir cultura, além de resolver seus problemas de alimentação, saúde ou ecologia. São multiconhecimentos, que não podemos homogeneizar, apesar de a ciência e a filosofia nos ensinarem que há apenas uma epistemologia dominante", detalha.
A socióloga também pontua a questão da territorialidade, intimamente ligada com a identidade. "A identidade como grupo se refere ao território. A forma de se afirmar politicamente e as redes de ações políticas são discussões de territorialidade, assim como a delimitação e defesa do território e a luta para manter a história e a memória", explica. "O Brasil não entende o que significa o território para os índios. Há muito não se delimita o quanto deveria ser feito. Eles desejam passar essa questão do porquê da territorialidade, que é crucial para existência de cada povo", complementa Rute.
No entanto, Edna destaca um fenômeno novo no País, no qual o elemento identitário está deixando de desaparecer entre os indígenas que vão para as cidades. "A cidade não é mais suficientemente forte para apagar essas identidades e, com isso, esses povos se tornam mais visíveis, apresentando inclusive um orgulho de afirmação", assegura.
Para Fernanda, "o debate foi muito frutífero". "A gente vê a interação dos diferentes setores do diálogo como a forma mais provável de conseguir melhorar a legislação. E vemos as pesquisas como algo a serviço da sociedade, essencial para o desenvolvimento sustentável", opina. "O aspecto positivo é que foi realizado um sonho de ter uma roda de conversa entre a comunidade científica e os povos indígenas para aparar complicações e desentendimentos e estabelecer uma parceria. A gente sempre pode lutar por eles e eles podem lutar junto com a gente", conclui Rute.

(Clarissa Vasconcellos - Jornal da Ciência)

Fonte: JC e-mail 4519, de 15 de Junho de 2012.
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