Credito da imagem: GGraúna
Educação e direitos
humanos: livros, leitores e leituras
Graça
Graúna
Escritora
indígena,
Educadora
universitária(UPE)
No
Brasil, o calendário nacional traz uma data para comemorar o Dia do Livro: 29 de
outubro. Mas até que ponto se comemora de fato a prática da leitura no país, sobretudo
quando estudantes e educadores, por exemplo, se veem ameaçados pela PEC 241,
isto é, uma proposta de emenda constitucional que quer porque quer congelar gastos com saúde,
educação e assistência social por 20 anos?
Em tempos difíceis como este, em que os
hospitais públicos estão sucateados; a assistência social é banalizada e a Educação
uma das áreas mais prejudicadas; é importante sublinhar um trecho da Introdução
do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH: “nada mais
urgente e necessário que educar em direitos humanos, de todas as formas
possíveis, como tarefa indispensável para a defesa, o respeito, a promoção e a
valorização desses direitos” (PNDH,2006, p. 5)
Da relação entre educação e direitos humanos, convém
perguntar: o que é o livro e para que serve? Qual o papel do leitor? E sobre a
importância do ato de ler, quem ainda se lembra? Certamente, essas questões exigem
um aguçar a nossa memória, a começar pela maneira de ser e de viver que
herdamos dos nossos ancestrais em rodas de conversa, no aconchego de contações
de histórias em volta da fogueira. Não devemos esquecer as bibliotecas humanas
(contadores de história, poetas, leitores, escritores, estudantes, homens,
crianças mulheres, moradores de rua, religiosos e uma infinidade de pessoas de
diferentes idades e profissões, entre tantos outros cidadãos do mundo) que contribuem
para criar uma cultura universal dos diretos humanos.
Na época do Brasil colonial, uma dessas pessoas
fez da palavra a sua missão. Diga-se de passagem: foi árdua a sua tarefa de mostrar
a valorização da amizade entre povos indígenas e outros grupos étnico-raciais e
a importância de exercitar o respeito, a tolerância. Nesta perspectiva cabe
citar o pensamento do lusitano Padre Antônio Vieira: "O
livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que
vive."
Nos tempos modernos, outro religioso vestiu-se
também de coragem para se comunicar com o público e lançou pelas ondas da Rádio
Olinda (Pernambuco) o programa “Um olhar sobre a cidade”, em plena ditadura militar. Ele não
escondia o seu gosto pela música e outras artes. Além da Bíblia, Dom Helder lia
as ruas e tudo que o aproximasse do povo. Das músicas que costumava ouvir,
destaca-se “Cidadão”, de Zé Geraldo. Na crônica intitulada “Entrada proibida”
(p.75), Dom Helder fala da historia de um operário da construção civil que
ajudou a construir uma escola onde filho de pobre não pode estudar. Um trecho
da canção revela o seguinte:
Tá vendo aquele colégio moço?
Eu também trabalhei lá.
Lá eu quase me arrebento.
Fiz a massa, pus cimento
E ajudei a rebocar.
Minha filha inocente vem pra mim toda
contente:
Pai, vou me matricular...
Mas me diz um cidadão, criança
de pé no chão
Aqui não pode estudar.
Quem ainda quiser ouvir que ouça a sua homilia (pregação) em estilo familiar que busca explicar um tema ou
texto evangélico, em forma de crônicas. Refiro-me ao livro “Meus queridos
amigos”, de Dom Helder Camara; um livro organizado por Tereza Rozowykwiat
(2016), cujo título é uma alusão a frase com que o autor iniciava as crônicas.
E o que
pensa Hermann Hesse (escritor alemão), sobre livro, leitor e leitura? Ele, o
livro tem o poder de aproximar as pessoas. Nessa perspectiva, Hesse observa: "Ler um livro é para o bom
leitor conhecer a pessoa e o modo de pensar de alguém que lhe é estranho. É
procurar compreendê-lo e, sempre que possível, fazer dele um amigo". Outro grande
pensador que nos impele a estreitar os laços com a educação libertadora é Paulo
Freire. Poucos o veem também como poeta e é nesse patamar que eu tomo a liberdade
de apresentar os versos que escrevi em 2 de setembro de 2007, durante o VI Colóquio
Internacional Paulo Freire, no Centro de Convenções da UFPE.
Em homenagem ao livro Pedagogia da indignação e ao seu autor, apresento minha
“Poética da autonomia”:
I
Minha voz tem outra semântica,
outra música. Neste ritmo,
falo da resistência
da indignação
da justa ira dos traídos
e dos enganados
II
Apesar de tudo,
jamais desistir de apostar
na esperança
na palavra do outro
na seriedade
na amorosidade
na luta em que se aprende
o valor e a importância da raiva.
Jamais desistir de apostar demasiado
na liberdade
III
Apesar de tudo,
cabe o direito de sonhar
de estar no mundo
a favor da esperança
que nos anima
outra música. Neste ritmo,
falo da resistência
da indignação
da justa ira dos traídos
e dos enganados
II
Apesar de tudo,
jamais desistir de apostar
na esperança
na palavra do outro
na seriedade
na amorosidade
na luta em que se aprende
o valor e a importância da raiva.
Jamais desistir de apostar demasiado
na liberdade
III
Apesar de tudo,
cabe o direito de sonhar
de estar no mundo
a favor da esperança
que nos anima
O livro não é apenas um objeto composto por
diversas páginas. O livro é bem mais que um conjunto de textos, imagens e
outros itens que podem ser impressos ou compartilhados no formato e-book. Como
se pode ver, a noção de livro não restringe o seu uso para entretenimento ou para
uso educativo. Muito mais que isso, o livro pode ser também uma ou mais
pessoas. Pelo menos é que sugere a ideia de “Biblioteca Humana”, ou seja, um
projeto que começou na Dinamarca e que
oferece um catálogo em que as pessoas selecionam o tópico que querem ouvir.
Em outras palavras, um dos objetivos da Biblioteca Humana “é oferecer pessoas no
lugar de livros. Os leitores curiosos podem fazer perguntas e desafiar as suas
percepções sobre os diferentes grupos da comunidade”.
Entretanto, apesar do silenciamento contra os que
defendem a estreita relação entre direitos humanos e educação, não está fora da
validade realizar e fortalecer campanhas para mostrar como os livros podem
beneficiar a cultura dos indivíduos, pelo humano direito ao sonho que
se sonha junto e de torna-lo realidade por meio de uma educação
libertadora.
Referências
FREIRE,
Paulo. Pedagogia da indignação:
cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Unesp, 2000.
GRAÚNA,
Graça. Poética da autonomia. Poema. Disponível em: http://ggrauna.blogspot.com.br/2007/10/potica-da-autonomia.html.
Acesso em 31.out.2016.
PLANO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
e a Cultura; Ministério da Educação; Ministério da Justiça; Secretaria Especial
dos Direitos Humanos. Brasília, DF, 2006.
ROZOWYKWIAT,
Tereza (Org.). Meus queridos amigos:
as crônicas de Dom Helder Camara. Recife: Cepe Editora, 2016.
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