A jornalista Kelly de Souza escreveu para a Revista da Cultura (edição 21, abril de 2009) uma reportagem acerca da Literatura escrita por homens e mulheres indígenas, na atualidade. O título da matéria “Tupi or not Tupi” faz uma referência ao escritor Mário de Andrade, um dos grandes pensadores no cenário da cultura brasileira. Para falar da literatura indígena, a jornalista Kelly fez uma entrevista com Daniel Munduruku, Eliane Potiguara e comigo. Nas palavras de Kelly:
"Diz a sabedoria popular que a história sempre tem duas ou mais versões. O Descobrimento do Brasil, em abril de 1500, não fugiu à regra. Cedo, aprendemos com Pero Vaz de Caminha, escrivão da expedição de Cabral, como se comportavam os índios da recém-descoberta terra. A carta de Caminha, considerada a primeira obra literária do país, descreve com deslumbramento ao rei Dom Manuel, essa “gente de tal inocência”. Empolgado com a “bela simplicidade” deles, Caminha faz sua aposta: “Se entendêssemos a sua fala e eles a nossa, (...) não duvido que imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar”. Graças a este documento, conhecemos as impressões (e intenções) dos primeiros contatos entre portugueses e indígenas. A escrita, ferramenta fundamental nesse processo, não era dominada pelos índios, cuja oralidade funcionava como instrumento de transmissão das histórias vividas, dos mitos e das lendas criadas. Essa “memória ancestral”, passada de geração para geração, ficou bem escondida entre as matas e etnias dessa terra chã. A história do Descobrimento brasileiro ficou apenas com uma versão: a do homem branco".
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"Diz a sabedoria popular que a história sempre tem duas ou mais versões. O Descobrimento do Brasil, em abril de 1500, não fugiu à regra. Cedo, aprendemos com Pero Vaz de Caminha, escrivão da expedição de Cabral, como se comportavam os índios da recém-descoberta terra. A carta de Caminha, considerada a primeira obra literária do país, descreve com deslumbramento ao rei Dom Manuel, essa “gente de tal inocência”. Empolgado com a “bela simplicidade” deles, Caminha faz sua aposta: “Se entendêssemos a sua fala e eles a nossa, (...) não duvido que imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar”. Graças a este documento, conhecemos as impressões (e intenções) dos primeiros contatos entre portugueses e indígenas. A escrita, ferramenta fundamental nesse processo, não era dominada pelos índios, cuja oralidade funcionava como instrumento de transmissão das histórias vividas, dos mitos e das lendas criadas. Essa “memória ancestral”, passada de geração para geração, ficou bem escondida entre as matas e etnias dessa terra chã. A história do Descobrimento brasileiro ficou apenas com uma versão: a do homem branco".
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Para saber mais dessa manifestação literária, convido todos(as) para ler a grande contribuição de Kelly a respeito da identidade do Brasil pré-colonial na obra de escritores(as) indígenas. No dia 16 de junho, escritores(as) indígenas serão recebidos pela Academia Brasileira de Letras (ABL). Será um encontro inédito, em seu salão nobre. “A ideia é abrir um diálogo com os imortais para aproximar as duas literaturas e mostrar que o que se produz na floresta – a oralidade – é também a literatura utilizando o mecanismo da palavra”, explica Munduruku – autor do primeiro romance indígena escrito no Brasil. A sexta edição do Encontro de Escritores Indígenas, será realizada entre 10 a 21 de junho, no Rio de Janeiro, durante o Salão do Livro, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).
Graça Graúna, Nordeste do Brasil, 5.abr.2009
Nota: artigo publicado no Overmundo com 303 votos.
6 comentários:
Graça, querida, que saudade de você!! Perdoe-me a ausência prolongada, que aconteceu pela hospitalização de meu pai e seu falecimento recente... Aos poucos me recupero e volto a visitar meus amigos blogueiros na Web...
Fiquei feliz em ler a entrevista que você e outras pessoas amigas do povo brasileiro concederam à jornalista, e mais ainda, em saber que a literatura indígena está sendo valorizada.
Beijos, com carinho,
Madalena
P.S.: estou indo agorinha, com muuuito atraso, snif, receber o lindo meme que você me concedeu "Literatura e ARte", que logo atualizarei em meu blog, também ultimamente abandonado às traças da Bruxauva...
Madalena Barranco, poetamiga: grande alegria pelo reencontro. Fico muito feliz que tenha gostado da materia acerca da nossa literatura indígena - essa ilustre desconhecida...rsrsrs....Grata pela leitura. Bjos, Grauninha
Graça, lutar pelos excluídos, pelos desfavorecidos, pelos explorados, pelos humildes é uma prova de grandeza fraternal. Este engajamento é admirável.
A questão cultural é algo complexo. Muito difícil de lidar. Nesta cultura de massa que os nossos meios de comunicação tentam impigir e, assim, contribuir com a eliminação da diversidade, através da imposição de uma visão burguesa, mercantilista, a sobrevivência e resistência das culturas nativas se fazem com muita dificuldade.
Contudo, penso, "ninguém consegue se libertar senão consegue vencer sua herança cultural, apesar de que, paradoxalmente, só um tolo não preserva sua herança cultural".
Cultura é imposta, ou seja, não é inata, natural. Cultura se aprende. Uma criança precisa aprender a cultura do seu meio, dos seus pais, etc. Se, por exemplo, uma criança indígena for levada ainda bebê para o Japão, embora, seja pertença à raça indígena, irá absorver naturalmente a cultura japonesa.
O que representa a cultura "negra" para um afro-descentente (?) que tenha nascido em Garanhuns e pertença a uma família de classe média, senão uma estranheza?
A cultura não pode ser a "identidade" de ninguém, exceto de um povo. Se falarmos em indíviduos, ou melhor, em individualidade (a sua independência da massificação coletiva) qual será de fato a sua essência senão ser humano?
O "ser humano", ou melhor, esta noção (ou apreensão) implica num romper de fronteiras (tanto raciais, intelectuais, sexuais, etc, quanto culturais).
O humanismo impõe uma visão universalista. Nada pode ficar confimado à fronteiras, a limites do indivíduo.
Há escritores (como Jorge Amado e Ariano Suassuna - só pra citar os mais conhecidos) que defendem justamente esta visão regionalista à uma visão mais universalista.
Contudo, menos reconhecendo os enormes valores destes escritores, há pessoas que estão produzindo literatura justamente com o intuito de gerar uma visão mais universalista e, assim, entendem que a cultura, em alguns casos, pode ser um impecilho.
Dificil encarar a demarcação de fronteiras que certos grupos fazem como: a literatura feminina, a literatura negra, a literatura gay, etc. A literatura tem justamente esta função libertadora, de romper fronteiras e não ao contrário.
Mas, curioso, os escritores citados acima, por exemplo, são geniais justamente porque conseguiram chegar no ser humano, apesar de toda vestimenta cultural que adorna as suas magnifícas obras.
Um fato é patente: a cultura de massa tem esvaziado a essência humano, ficando numa superficialidade estúpida. Quando assistimos as resistências culturais (das chamadas minorias), justamente porque representam o que há de mais humano, não podemos deixar de ficar felizes e solidários.
A matéria é maravilhosa. Uma aula. Que bom que existem pessoas engajadas numa luta como esta!
Que bom que existem pessoas como você!
Parabéns (a você ou a todos nós?)!
Beijos
Comentário da jornalista Kelly Souza, no gmail:
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Graça, querida.
Li seu texto no blog (não consegui postar o comentário porque não sou inscrita em nenhuma das "comunidades" que pede), e passei pra avisá-la que publiquei um outro texto hoje no Blog da Cultura, com a entrevista na íntegra do Daniel.
E, claro, agradecê-la pela gentileza imensa de me atender e a paciência toda! Foi uma contribuição muito importante para a matéria e para mim! Além disso, gostei muito de "conhecê-la". Uma simpatia só! :)
Novidades, por favor, não deixe de me avisar!
beijo grande.
Kelly de Souza
Livraria Cultura - Revista
kelly.souza@livrariacultura.com.br
www.blogdacultura.com.br
Kelly, amiga-irmã de luta: quero, aqui, registrar meus agradecimentos por sua brilhante matéria em torno da nossa ilustre desconhecida - a literatura indígena. Congratulalões também pela entrevista com o nosso Daniel Munduruku, um dos maiores escritores indígenas da America Latina. Quero também agradecer a sua preciosa atenção e por registrar com criatividade e responsabilidades o meu depomento sobre literatura indegena na sua materia pra Revista da Cultura. Grata também por visitar meu humilde blog. Paz em Ñanderu (Nosso Pai, em guarani), Graça Graúna
Olá, Hideraldo - poeta e amigo: guardarei na memória sua impressões de leitura a respeito da nossa literatura escrita. Você trata de questões seríssimas e pouco debatidas no campo da literatura, de uma forma geral. Seu comentário transforma-se em um documento importante para refletirmos o pensamento dos povos indígenas no Brasil. Em tempo, grata pelo carinho e atenção constantes. Paz em Ñanderu, Graça Graúna
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