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26 dezembro 2016

Das palavras e seus silêncios


Ilustração: Fabiano Sobreira


Das palavras e seus silêncios

Graça Graúna


Falta pouco para fecharmos mais um ciclo do tempo em nossas vidas. Isto significa que devemos estar atentos a mais um rito de passagem para o novo.
Por onde começar? Para onde ir? Por que e para que refletir sobre os tantos caminhos que haveremos de percorrer? O que virá? Que escolha fazer: o caminho do diálogo ou o seu oposto? Dizer não à intolerância, ao machismo, ao preconceito e a outras formas de violência é uma maneira de colocar-se a serviço da humanidade.
Falta pouco para fecharmos mais um ciclo do tempo em nossas vidas.
Um caminho possível para intuir o que virá reside no desafio que é amar o outro; diga-se de passagem, uma travessia difícil, pois à medida que não respeitamos as diferenças, aguçamos em nós a falta de fé no outro.  Nesta perspectiva, tomo a liberdade de compartilhar as palavras e os seus silêncios que alimentam as dezenas de entrevistas que o jornalista Lauro Henriques Jr. realizou para compor o livro: Palavras de poder (Editora Leya, São Paulo, 2011, volume Brasil). Dessa obra, entre os entrevistados, sublinho as palavras de Pedro Casaldáliga (pp. 131-143).
A propósito do poder que tem as palavras, o bispo da terra sem males enfatiza: “É preciso colocar a fé e a esperança em nome da solidariedade. Crer que uma nova vida é possível é o primeiro passo para que ela se realize” (p. 132). Ao refletir sobre o papel da fé na construção da humanidade, Casaldáliga ressalta que o diálogo entre os diferentes credos não deve limitar-se ao aspecto religioso, considerando que, juntas, as religiões ampliem as perspectivas de atender “aos desafios da atualidade: a fome, o armamentismo, a intolerância, o machismo, a depredação ecológica”(p. 134). No eixo dessa comunicação, Casaldáliga adverte que as pessoas não precisam renunciar a crença, a etnia para reconhecer-se cidadão ou cidadã do mundo. Em outras palavras, ele acrescenta: “só quem vive a sua identidade de modo sereno, adulto, é capaz de dialogar. [...] Se não criarmos uma cultura de paz a partir do próprio coração, não tem saída” (p.134).
Casaldáliga fala dos sinais de esperança que se manifestam, por exemplo, na solidariedade entre os diferentes povos; solidariedade que se transforma em bandeira de paz ou como ele sugere à luz da poesia da nicaraguense Gioconda Belli: “a solidariedade é a ternura dos povos” (p. 135).
Da relação entre religião e política, ele observa que na maioria dos países a separação entre Igreja e Estado é positiva; para que essa relação se concretize é necessário que as pessoas “saibam conjugar a sua fé com a sua cidadania e, motivados por essa fé, sejam mais éticos e mais comprometidos com o próximo” (p.135). Ainda sobre esse exercício de cidadania, Casaldáliga menciona o espetáculo que foi a “Missa da terra sem males”, na década de 1970, em defesa da causa indígena. A missa contou com a parceria de Milton Nascimento (cantor)  e Pedro Tierra (poeta). Na mesma época, Dom Casaldáliga celebrou a Missa dos Quilombos em defesa da causa negra.
Quanto ao papel da arte, da poesia em nossas vidas, Casaldáliga cita Santo Agostinho: “cantar é rezar suas vezes” e orienta que: “falar poeticamente é comunicar-se com a boca e com os olhos, enviando um pouco da própria alma em cada palavra que se diz” (p.136).
Eu passaria aqui, horas e horas sublinhando as boas palavras do bispo de Araguaia, mas prefiro deixar esta leitura em aberto a fim de que outros(as) leitores(as) intuam sobre o desafio que é “a convivência no respeito, no estímulo, no carinho” (p.139); ou sobre a utopia de que trata Casaldáliga à luz do pensamento de Eduardo Galeano: “a utopia é como um horizonte: a gente não alcança nunca, mas, graças a ela, continuamos caminhando” (p.141).

Porque falta pouco para fechar mais um rito de passagem em nossas vidas, reitero a importância de repensar acerca do nosso lugar no mundo, sem medo de enfrenta-lo e sobre os nossos desejos de tornar o mundo melhor. 



Nordeste do Brasil, 25 de dezembro de 2016
Graça Graúna

Um comentário:


  1. Graça Graúna, antes de tudo, com licença!

    Minha irmã em Ñanderu, Maira, Namandu, Karusakaibê, Mavutsinim, Omama – entre outros Nomes de Deus, tua crônica: “Das palavras e seus silêncios”, me colocou de ponta-cabeça e em funda alegria e mergulho! Você sabe laçar e seduzir com tua beleza de uma escritora indígena. É sábia e séria pesquisadora e, amante do belo filosofa amerindianamente – inclusive, trazendo para a gente – mais uma vez, palavras de Pedro Casaldáliga por quem tenho um apreço inigualável! Daí, você já me fez sentar em meu tocorip – diriam os irmãos xinguanos – e ficar matutando horas a fio – como uma irmã sucuri após uma ceia das boas!

    Você pontua que “Casaldáliga fala dos sinais de esperança”. Com ele venho aprendendo tanto. Li de sua autoria, anos passados, um auto sacramental sertanejo intitulado “Paixão e Morte de Txetxuiã”, contido no livro Cuia de Gedeão, Vozes, 1982. Txetxuiã significa Cristo em uma língua indígena, possivelmente em Guarani e não em Tupi e Guarani como alguns informam.

    Palavras e silêncios estão no côncavo e convexo das cuias, das gamelas, das cabaças e, nós somos côncavos e convexos e reconvexos – às vezes. Os ritos de passagem são conexões do tempo e espaço com suas palavras e silêncios cósmicos com os signos, símbolos e significados traçados pelo Senhor Criador, Sem Tempo, Sem início e Sem fim.

    Quanto tempo ainda tenho para continuar matutando, ruminando, mergulhando?! – Se teu hálito responde: - A vida inteira. Ah, tá. Tá bom. Assim eu topo escrever sobre tuas palavras-rios e teus silêncios- margens. Pegarei uma delas e daqui do meu tocorip ficarei pensamentando com meu silêncio prosador que, como você me ensinou, está impregnada de palavras e silêncios essa expressão sertanejamente filosófica.

    Feliz novo ciclo! Feliz rito de passagem! Feliz 2017!

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