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25 abril 2017

Uma canção em prol das terras indígenas

Foto: Agência Senado
Fonte: Folha de São Paulo
Uma canção em prol da demarcação de terras indígenas ecoa entre os indígenas, na Mobilização Nacional Indígena, entre os dias 24 a 28 de abril.. Composta por Carlos Rennó e musicada por Chico César, a canção “Demarcação Já” foi gravada por dezenas de artistas com destaque na cena musical brasileira.
Participaram da gravação, além de Chico César, Arnaldo Antunes, Criolo, Céu, Djuena Tikuna, Dona Odete, Elza Soares, Gilberto Gil, Felipe Cordeiro, Letícia Sabatella, Gilberto Gil, Lenine, Lirinha, Margareth Menezes, Maria Bethânia, Nado Reis, Ney Matogrosso, Russo Passapusso, Tetê Espíndola, Zeca Baleiro, Zeca Pagodinho, Zé Celso (Teatro Oficina) e Zélia Duncan.
A composição da música é uma iniciativa do Greenpeace, Instituto Socioambiental, Bem-te-vi em parceria com as produtoras Cinedelia e O2. A  letra da canção e o vídeo critica govmerno e ruralistas em prol da demarcação de terras indígenas.

https://youtu.be/wbMzdkaMsd0

“Demarcação já”


Já que depois de mais de cinco séculos
E de ene ciclos de etnogenocídio,
O índio vive, em meio a mil flagelos,
Já tendo sido morto e renascido,
Tal como o povo kadiwéu e o panará

– Demarcação já!
Demarcação já!

Já que diversos povos vêm sendo atacados,
Sem vir a ver a terra demarcada,
A começar pela primeira no Brasil
Que o branco invadiu já na chegada:
A do tupinambá –

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que, tal qual as obras da Transamazônica,
Quando os milicos os chamavam de silvícolas,
Hoje um projeto de outras obras faraônicas,
Correndo junto da expansão agrícola,
Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que tem bem mais latifúndio em desmesura
Que terra indígena pelo país afora;
E já que o latifúndio é só monocultura,
Mas a T.I. é polifauna e pluriflora,
Ah!,

Demarcação já!
Demarcação já!

E um tratoriza, motosserra, transgeniza,
E o outro endeusa e diviniza a natureza:
O índio a ama por sagrada que ela é,
E o ruralista, pela grana que ela dá;
Hum… Bah!

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que por retrospecto só o autóc
Tone mantém compacta e muito intacta,
E não impacta, e não infecta, e se
Conecta e tem um pacto com a mata
–Sem a qual a água acabará –,

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que não deixem nem terras indígenas
Nem unidades de conservação
Abertas como chagas cancerígenas
Pelos efeitos da mineração
E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que “tal qual o negro e o homossexual,
O índio é ‘tudo que não presta'”, como quer
Quem quer tomar-­lhe tudo que lhe resta,
Seu território, herança do ancestral,
E já que o que ele quer é o que é dele já,

Demarcação, “tá”?
Demarcação já!

Pro índio ter a aplicação do Estatuto
Que linde o seu rincão qual um reduto,
E blinde-­o contra o branco mau e bruto
Que lhe roubou aquilo que era seu,
Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,
Demarcação lá!
Demarcação já!

Já que é assim que certos brancos agem:
Chamando-­os de selvagens, se reagem,
E de não índios, se nem fingem reação
À violência e à violação
De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá;

Demarcação já!
Demarcação já!
Pois índio pode ter iPad, freezer, TV, caminhonete, “voadeira”,
Que nem por isso deixa de ser índio
Nem de querer e ter na sua aldeia
Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que o indígena não seja um indigente,
Um alcoólatra, um escravo ou exilado,
Ou acampado à beira duma estrada,
Ou confinado e no final um suicida,
Já velho ou jovem ou – pior – piá.

Demarcação já!
Demarcação já!

Por nós não vermos como natural
A sua morte sociocultural;
Em outros termos, por nos condoermos –
E termos como belo e absoluto
Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pois guaranis e makuxis e pataxós
Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;
É quem dentro de nós a gente traz, aliás,
De kaiapós e kaiowás somos xarás,
Xará.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra não perdermos com quem aprender
A comover-­nos ao olhar e ver
As árvores, os pássaros e rios,
A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara
E a flor de maracujá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Pelo respeito e pelo direito
À diferença e à diversidade
De cada etnia, cada minoria,
De cada espécie da comunidade
De seres vivos que na Terra ainda há,

Demarcação já!
Demarcação já!

Por um mundo melhor ou, pelo menos,
Algum mundo por vir; por um futuro
Melhor ou, oxalá, algum futuro;
Por eles e por nós, por todo mundo,
Que nessa barca junto todo mundo “tá”,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que depois que o enxame de Ibirapueras
E de Maracanãs de mata for pro chão,
Os yanomami morrerão deveras,
Mas seus xamãs seu povo vingarão,
E sobre a humanidade o céu cairá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que, por isso, o plano do krenak encerra
Cantar, dançar, pra suspender o céu;
E indígena sem terra é todos sem a Terra,
É toda a civilização ao léu
Ao deus­-dará.

Demarcação já!
Demarcação já!

Sem mais embromação na mesa do Palácio,
Nem mais embaço na gaveta da Justiça,
Nem mais demora nem delonga no processo,
Nem retrocesso nem pendenga no Congresso,
Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!

Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que nas terras finalmente demarcadas,
Ou autodemarcadas pelos índios,
Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,
Mandantes nem capangas nem jagunços,
Milícias nem polícias os afrontem.
Vrá!
Demarcação ontem!
Demarcação já!
E deixa o índio, deixa o índio, deixa os índios lá.

19 abril 2017

Enquanto o Pataxó dormia

Monumento em homenagem a Galdino
Foto: Lucas Salomão

Há vinte anos, cinco jovens de classe média alta atearam fogo no Pataxó Galdino; ele foi assassinado na madrugada de 20 de abril de 1997, enquanto dormia. Galdino estava em Brasília para reivindicar a demarcação do território Pataxó que foi invadido por fazendeiros na localidade de Pau Brasil, na Bahia. A foto refere-se ao monumento em homenagem a Galdino. (Foto: Lucas Salomão/G1). No poema seguinte, minha homenagem ao Pataxó Galdino:


Enquanto dormia

Um índio foi morto
numa parada de ônibus
do planalto central,
em Brasília.

Impossível esquecer
de Galdino Jesus
um guerreiro pataxó
exposto ao preconceito.

Enquanto dormia,
atearam-lhe fogo
em Brasília


                                   Graça Graúna
Nordeste do Brasil, abril indígena, 2017.


17 abril 2017

Memória das águas

Para refletir acerca do Dia 19 de abril (dia do índio), dedico este poema a todos(as) guardiões e guardiães das águas que percorrem os caminhos de Abya Yala (nome verdadeiro da América indígena, ou ameríndia). O poema “Memória das águas” faz parte da Antologia “Survival e Sincretismo”, organizada por Carolann Madden (EUA) e outros poet’amigos (poetas e amigos).
Na foto, um pássaro observa o rio sem vida após o rompimento da barragem, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana/MG. A imagem foi extraída do site de noticias Uol e do Google.
Saudações indígenas,
Graça Graúna.


Imagem: Uol e Google 


Memória das águas


I
Onde havia abundância,
hoje é só tristeza.
São tantos os pesadelos
que a mísera paisagem
se alastra e, de norte a sul,
os filhos da terra
ouvem os soluços dos rios
vindos das profundezas da terra.

II
São tantos os rios ofendidos:
Tietê
Iguaçu
Ipojuca
Gravataí
Capibaribe
Potengi
Rio Doce
Rio dos Sinos
tantos rios poluídos...

III
Que mãe não consolaria o filho
açoitado, explorado, excluído,
impedido de ir e vir
no seu direito de rio?
Exaurida de tanto sofrimento,
a Mãe Terra acolhe os filho
no amalgama doloroso de água e lama,
arrastando-o,
pelo infindável caminho da memória
para alcançar o mar

IV
Em nome do “progresso”
os inimigos (obaîara)*
agridem a natureza
derrubam as florestas
deslocam os rios
envenenam as águas
destroem os sonhos
trucidam os filhos da terra.



V
Infindável é a memória das águas
e o caminho da resistência.
Dos rios que se foram
na contramão do progresso,
fica a esperança de reencontrar
o nosso lugar no mundo.


(*) obaîara: em tupi, significa inimigo da nação.

Graça Graúna
Nordeste do Brasil, abril indígena, 2017



Water memory

I
Where there was plenty,
today is just sadness
there are so many nightmares
so that the miserable landscape
spreads and, from north to south,
the earth's children
hear the sobs from the rivers
coming from the depths of earth.

II
There are so many offended rivers:
Tietê
Iguaçu
Ipojuca
Gravataí
Capibaribe
Potengi
Rio Doce
Rio dos Sinos
Too many polluted rivers ...

III
Which mother would not comfort its son?
flogged, exploited, excluded,
obstructed from coming and going
in its right of being river ?
exhausted by too much suffering,
Mother Earth welcomes its
children
in the painful blend of water and mud,
dragging them,
through the endless path of memory
towards the sea

IV
In the name of "progress"
the enemies (obaîara)*
attack nature
knock down the forests
move the rivers
poison the waters
destroy the dreams
slaughter the earth's children

V
Endless is the memory of waters
and the path of resistance
from the missing rivers
on the contraflow of progress,
remain the hope of rediscovering
our place in the world.


(*) Obaîara: in Tupi, it means enemy of the nation.

Graça Graúna
Nordeste do Brasil, abril indígena, 2017