XVI
BIENAL DO LIVRO RIO
Dia
3.set.2013, Café Literário
Tema:
Guarani,
Kaiowá e muitas mais – literatura de índio.
Palestrante:
Graça Graúna
(povo Potiguara/RN)
O tema deste Café
Literário sugere que há muito mais literatura de autoria indígena do que supõe
o senso comum.
Pensando nas muitas
histórias que os parentes indígenas (de diferentes etnias) têm para contar, a
intuição me diz que a memória e a poesia revelam que as utopias não se
perderam. Nos caminhos da Ameríndia as utopias se realizam toda vez que as
pessoas se unem para superar as barreiras a que são submetidas pelo capital e pela
arquitetura do preconceito.
O fato de estarmos
aqui nos permite afirmar que não perdemos nossa identidade, nossa memória, ainda
que o nosso jeito de ser e de viver cause estranhamento às pessoas da cidade grande. A identidade e a
memória (à semelhança do amor) dão sentido a nossa existência.
Há mais literatura de
autoria indígena do que supõe a vã filosofia. Este fato nos permite apresentar
(embora resumidamente) um exemplo da força que tem a memória ancestral no
cotidiano das mulheres indígenas em várias partes do mundo. Vejamos o pensamento
de Nicolasa Quintreman, uma liderança entre o povo Mapuche, no Chile (Cf. PORANTIM
apud GRAÚNA, 2013, p. 36):
Não me
interessa o dinheiro, nem uma casa com cozinha. Tenho o meu lugar, meu fogão e
minha terra para trabalhar. Tampouco quero a luz que me oferecem, para isso
tenho o sol... com isso estou bem. [...] a barragem não melhora a qualidade de
vida, como disse o presidente. Tirar uma pessoa como se fosse um animal para um lugar que não lhe serve, que não conhece, isso não é qualidade
de vida. Viver bem é permanecer na mesma casa onde eu nasci. A terra nos
pertence, temos que cuidar dela, da mesma forma que a madeira, o rio e o capim
que os porquinhos, as ovelhas e os cabritos comem. [...] não vou amolecer,
[...] meu futuro será sempre o mesmo, não vou muda-lo. Morrerei na minha terra.
Outro exemplo
edificante vem da poesia Mapuche escrita por Rayen Kvyeh. Em seus versos, ela
nos convida a romper o silêncio, a lutar pelos nossos direitos; sua poesia nos
encoraja a contar a nossa autohistória. Vejamos um fragmento:
rompe o
silêncio
da memória
milenar
do povo
mapuche
neste relato
da história,
gravada
nos espíritos
de nosso povo
A sabedoria ancestral
é vida que corre pelas gerações, afirma o crítico português Salvato Trigo (apud
GRAÚNA, 2013, p. 113). Dentro desta perspectiva, a poesia de Rayen Kvyeh fala
dos sonhos, onde os ancestrais (seus avós) aconselham desde sempre a lutar pela
liberdade, a lutar pela terra. Vejamos mais um treco dessa poesia (Cf. GRAÚNA, p. 113):
nos meus
sonhos
meus avós têm
falado.
Da cordilheira
ao mar
de norte a sul,
desde o mais
profundo
da nossa mãe terra
suas vozes
aconselham
que expulsemos
os usurpadores
da nossa
terra.
Os usurpadores
da nossa
liberdade.
Em várias partes do mundo há milhares de povos
indígenas que expressam seu amor à terra, seu desejo permanente de justiça e
liberdade, seja por meio da contação de histórias, da poesia, da arte plumária,
do grafismo, do barro ou dos sonhos que trazem as canções da mata e do amor à
natureza; pois como diria Ana da Luz Fortes do Nascimento (uma anciã Kaingang):
somos a raiz da esperança, a multiplicação da luta à semelhança da terra que
multiplica o cereal plantado.
Graça Graúna
Rio de Janeiro, 3.set. 2013
GRAÚNA,
Graça. Contrapontos da literatura
indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013.
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