Imagem extraída do Google.
Texto e imagem: Egon Heck e Laila Menezes
(CIMI e ADITAL)
“Concedo o
efeito suspensivo ao agravo de instrumento, para determinar a mantença dos
silvícolas da comunidade de
Pyelito Kuê exclusivamente no espaço de 1 (um) hectare, ou seja, 10 mil
metros quadrados, até o
término dos trabalhos que compreendem a delimitação e demarcação das terras
na região...". (Decisão da 3ª Região da Justiça Federal, São Paulo, 30/out/2012)
Portanto, fica
decretado a manutenção de uma família da Fazenda Cambará em 761 hectares,
enquanto duas comunidades indígenas,com mais de 200 pessoas, são confinadas em
1 (um) hectare.
Um minuto de
silêncio. Senadores, deputados, lideranças Kaiowá Guarani, repórteres,
representantes de órgãos do governo e do Ministério Público, aliados da causa,
em pé, homenageiam a memória dos professores Genivaldo e Rolindo, que há exatos
três anos foram cruelmente assassinados quando retornaram à sua terra, tekoha
Ypo'i, município de Paranhos, no Mato Grosso do Sul. Até hoje o corpo de
Rolindo não foi localizado e nenhum dos assassinos punidos. Aplausos. Os
lutadores indígenas tem sua memória reverenciada, apesar de sua luta pela terra
continuar emperrada, na malvadeza e burocracias do poder.
Na parede fria
de um dos auditórios do Senado, onde se realizava uma audiência pública sobre a
questão Kaiowá Guarani, estavam projetadas as imagens do corpo do professor
Genivaldo Vera, boiando nas águas do rio ypo'i, o "sorriso matado",
do cacique Nisio Gomes, a líder Damiana junto a seus barracos queimados, à
beira da estrada, lembrando seu marido e três filhos mortos por atropelamento,
...outro membro da comunidade de Apika'y espancado por ocasião da expulsão de
sua terra...Um quadro tétrico, retrato da "barbárie civilizada"(!),
ou genocídio do século XXI como muitos tem visto a violência contra os Guarani
Kaiowá.
Como podemos ficar felizes?
No décimo andar
de um belo edifício em Brasília, um anúncio eufórico de uma
"vitória". Os índios de Pyelito Kuê não serão despejados. A liminar
acaba de ser caçada na 3ª Vara da Justiça Federal, em São Paulo. O ministro da
Justiça José Eduardo Martins
Cardoso leu pausadamente
a decisão. "por tudo quanto foi exposto, a melhor solução é circunscrever
a permanência dos índios num espaço de 1 (um) hectare, ou seja, 10 mil metros
quadrados, até o término do procedimento administrativo de delimitação e
demarcação das terras na região" e a sabia e douta decisão continua
"os índios devem ficar exatamente onde estão agrupados, com a ressalva de
que não podem estender o espaço a eles reservado em nenhuma hipótese". O
cantador popular concluiria "é a parte que lhes cabe neste latifúndio!!!".
Dia 30 outubro de 2012. Século 21. A justiça decide reeditar os "confinamentos" ou "campos
de concentração", conforme manifestação de lideranças indígenas,
parlamentares e representantes dos movimentos sociais. A deputada Érica Kokai
afirmou que "Confinamento é genocídio" e que é esse o processo em
curso no Mato Grosso do Sul. A deputada Janete Capibaribe afirmou que a
realidade dos Kaiowá Guarani envergonha a sociedade e nação brasileira. Nesse
mesmo tom o Deputado Pe. Tom, presidente da Frente Parlamentar Indígena, afirma
que o que acontece com os Kaiowá Guarani se assemelha ao que se passou com os
judeus no tempo do nazismo.
As lideranças
Guarani, dentre os quais o cacique Lide Lopes de Pyelito Kuê, Otoniel Ricarte,
Eliseu Lopes, dentre outros, manifestaram em diversas oportunidades, nesta
semana, sua contrariedade com a decisão judicial. "Ficamos meio felizes,
porque a comunidade não vai ser expulsa, mas ficamos por inteiro envergonhados,
porque nos fecharam dentro de um hectare". Lindomar Terena disse
considerar um absurdo deixar os índios dentre de um "chiqueirinho".
Até o linguajar
"mantença e silvícolas", nos remete a séculos passados. Não serão
necessários grandes esforços para imaginar o drama de sobrevivência dessa
comunidade, até que o governo conclua o trabalho de identificação e demarcação
das terras na região. Quantos anos de tortura e sofrimento estarão contidos nessa
decisão? Quantos meses, anos ou décadas ainda se arrastarão os infindáveis
processos de regularização das terras indígenas na região?
Semana Kaiowá Guarani em Brasília
Lideranças
expressivas do povo Kaiowá Guarani e Terena do Mato Grosso do Sul, tiveram uma
intensa agenda de debates, visitas a autoridades dos três poderes, conversas
com Ministros e parlamentares, manifestações públicas e contatos com a imprensa
nacional e internacional.
No Ministério
Público Federal, ouviram das Procuradoras Débora Duprat e Raquel Dodge a
promessa de atitudes enérgicas de cobrança, inclusive judicial, das
responsabilidades do governo federal com relação ao não cumprimento do Termo de
Ajustamento de Conduta-TAC, no qual todos os relatórios de identificação das
terras Kaiowá-Guarani deveria ter sido publicados até 30 de junho de 2009.
Do ministro da
Justiça ouviram os encaminhamentos do governo, para evitar a expulsão da
comunidade de Pyelito Kue, aumento da força nacional e polícia federal na
região e de que dentro de 30 dias estaria sendo publicado o relatório
circunstanciado dessa terra indígena, pela Funai. Disse ainda que "a
presidente Dilma quer que se cumpra a Constituição".
O Conselheiro do
CDDPH, Eugenio Aragão, que coordena o grupo especial Kaiowá-Guarani criada no
âmbito desse órgão, lamentou que o governo só age e se movimenta quando
acontecem catástrofes, quando se está à beira do abismo. Cobrou energicamente
uma revisão dos métodos de atuação com relação à demarcação e garanti das
terras indígenas e ação urgente para pagar a dívida histórica para com esse
povo. Salientou a importância da participação do Conselho Nacional de Justiça –
CNJ, que criou uma comissão especial com propósito de agilizar a demarcação das
terras Kaiowá-Guarani.
O Procurador Marco Antonio Delfino, do
Ministério Público de Dourados, acompanhou a intensa maratona de atividades,
dentre as quais a conversa com vários ministros do Supremo Tribunal Federal.
Insistiu na inadiável ação do governo no sentido de começar a encontrar
caminhos para resolver a gravíssima situação das terras indígenas no Mato
Grosso do Sul. Externou os dados que revelam essa situação insustentável,
dentre os quais o fato de que os últimos dez anos os Kaiowá Guarani conseguiram
efetivamente apenas dois mil hectares, e de que as terras ocupadas por esse
povo representam apenas 0,1% do território do Estado.
O secretário do
Cimi, Cleber Buzatto, em vários momentos chamou atenção para a morosidade e
omissão do governo, enquanto nos três poderes avançam iniciativas que visam
tirar direitos constitucionais dos povos indígenas e agravar ainda mais a
situação de violência. Falou da importância das iniciativas de ampla
divulgação, especialmente nas redes sociais, da realidade indígena, para que
desse processo de comoção nacional emergem ações e pressão pelo respeito aos
direitos dos povos indígenas e a imediata regularização das terras indígenas.
Tiveram reuniões
de definição de ações estratégicas na Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil-APIB, na Funai e outros órgãos e entidades. Levam em suas bagagens de
retorno às aldeias a certeza de que a luta por seus direitos avançou, mas que
devem se intensificar as alianças e solidariedade em nível mundial e as lutas
de retorno às suas terras tradicionais, como afirmou Eliseu Lopes "Estamos
cansados de bonitos discursos e promessas. Vamos continuar nossas ações de
retomar nossas terras".
Povo Guarani
Grande Povo, Cimi 40 anos, 2 de novembro de 2012.
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