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29 novembro 2010

Documento final do Seminário: mulheres indígenas e a Lei Maria da Penha


União de mulheres indígenas a serviço de um todo.
Nós, mulheres indígenas do povo Pataxó Hã Hã Hãe, das aldeias Bahetá e Caramuru, com participação de representantes dos povos Tupinikim e Payayá, nos reunimos na Aldeia Bahetá, no município de Itaju do Colônia, Bahia, entre os dias 26 e 28 de novembro de 2010, para realização do I Seminário de Mulheres Indígenas sobre a Lei Maria da Penha.
No Seminário, homenageamos a Índia Bahetá, da etnia Baenã, que viveu mais de 100 anos e faleceu em 1992, durante uma epidemia de cólera. Ela foi a última falante da nossa língua e um símbolo de resistência das mulheres Pataxó Hã Hã Hãe. Lutou bravamente na defesa dos direitos do povo Pataxó e sempre na conquista do nosso território e resistiu a todas as formas de discriminação, opressão, e nunca se curvou diante do poder econômico daqueles que sempre usurparam as nossas terras, nossa cultura e nossa autodeterminação.
São 28 anos de luta pela reconquista do nosso território, que compreende os municípios de Camacã, Itaju do Colônia e Pau Brasil. Vários dos nossos tiveram suas vidas ceifadas e seu sangue derramado sobre o território almejado, em detrimento da luta. Em face da morosidade do Judiciário brasileiro, intensificam-se os conflitos fundiários e impede-se o desenvolvimento de políticas públicas que visam a autosustentabilidade do povo Pataxó Hã Hã Hãe.
A nossa cultura é de respeito, bater em mulher não é coisa de índio. Repudiamos a violência contra as mulheres, que não é apenas física, mas também se dá por meio de palavras e é agravada pelo alcoolismo. Muitas mulheres sofrem ameaças; alguns homens exigem que elas se dediquem apenas à casa, atendendo a suas vontades e, por ciúme e com medo de que elas passem a concorrer com seu poder, criam dificuldades para que elas estudem, trabalhem e participem do movimento indígena.
Queremos que homens e mulheres tenham as mesmas oportunidades, que as relações sejam baseadas no respeito e companheirismo, e que os homens valorizem e se envolvam na luta das mulheres. As mulheres devem se fortalecer, conhecer seus direitos, as políticas públicas e a legislação direcionadas a elas. No que diz respeito à violência, devemos aprofundar nossos conhecimentos sobre a Lei Maria da Penha e exigir que ela seja cumprida, para que possamos recorrer a ela em situações em que o diálogo e nossos mecanismos de resolução internos não solucionem os conflitos.
Como resultado dos nossos debates e oficinas, apresentamos as seguintes propostas:

• Que no dia 29 de outubro seja comemorada a memória da nossa parente Bahetá.
• Criar uma associação de mulheres da Aldeia Bahetá, visando o desenvolvimento de atividades produtivas, que contribuam para a geração de renda, autonomia das mulheres e fortalecimento da nossa cultura.
• Buscar projetos que visem o desenvolvimento de atividades como: agricultura, produção de artesanato, corte e costura e produção de remédios caseiros.
• Buscar apoio para capacitar as mulheres sobre como organizar associações e escrever projetos, com o intuito de fortalecer a produção das mulheres.
• Envolver as/os jovens nas atividades culturais e produtivas, possibilitando a organização de seminários de jovens indígenas.
• Buscar condições para o envolvimento das/os deficientes nas atividades da aldeia, garantindo-lhes oportunidade de estudo e trabalho.
• Buscar condições para realização de trocas de experiências entre as nossas parentes, valorizando o conhecimento das nossas anciãs e dos nossos anciões, conhecendo as atividades que já são desenvolvidas e as associações de mulheres já existentes.
• Pressionar para que a criação da Coordenação Técnica Local de Itororó (Funai) traga avanços para o povo Pataxó Hã Hã Hãe da Aldeia Bahetá e Panelão.
• Denunciamos os problemas que alguns indígenas vêm sofrendo em relação ao registro civil, muitas vezes não sendo aceito o RANI como documento válido.
• Denunciamos o descaso com a saúde indígena e a falta de saneamento: nossa aldeia sofre com infestação de escorpiões; não dispomos de posto de saúde na aldeia, sendo as consultas realizadas precariamente na escola; não temos tratamento de água e de esgoto. São necessários veículos para atender à comunidade em casos de emergência.
• Denunciamos também os casos de discriminação de indígenas pelo SUS, manifestado na recusa em atender ou no mau atendimento.
• Esperamos que a criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), no âmbito do Ministério da Saúde, traga melhorias concretas na atenção à saúde indígena. Exigimos que seus funcionários sejam capacitados e que respeitem as/os indígenas, nossa cultura e nossos costumes. O novo órgão deve monitorar a implementação das ações, não deixando a função de fiscalizar a cargo apenas das/os indígenas.
• Demandamos que sejam garantidas condições para o atendimento à saúde, gratuito e com qualidade, com equipamentos e estrutura adequados, exames, medicamentos e vacinas.
• Exigimos especial atenção às necessidades específicas da saúde da mulher, garantindo-se atendimento ginecológico e acompanhamento às gestantes.
• Exigimos que o poder público atenda às necessidade específicas da saúde de nossas anciãs e anciões.
• Demandamos que nossos agentes de saúde indígena sejam valorizados pelo poder público, recebendo condições adequadas de trabalho, e que também se amplie as vagas para agentes de saúde e AISAN.
Que as demandas aqui expostas sejam atendidas, para que a nossa comunidade em um futuro próximo possa assim, junto com os órgãos competentes e parceiros, ter um projeto que torne a vida de nosso povo independente. Tudo o que queremos é nossa autossustentação, pois não queremos que ninguém nos veja como coitados, e sim como pessoas capazes de criar e avançar em nossos objetivos.

Texto: akanawan – e imagem disponível disponível em: Índios Online.
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