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14 setembro 2020

Porque cantamos: Mário Benedetti

Benedetti, no Café Brasil, em Montevidéu/1997



Porque cantamos

(Mário Benedetti)

 


Se cada hora vem com sua morte
se o tempo é um covil de ladrões
os ares já não são tão bons ares
e a vida é nada mais que um alvo móvel

 

você perguntará por que cantamos

 

se nossos bravos ficam sem abraço
a pátria está morrendo de tristeza
e o coração do homem se fez cacos 
antes mesmo de explodir a vergonha

 

você perguntará por que cantamos

 

se estamos longe como um horizonte
se lá ficaram as árvores e céu
se cada noite é sempre alguma ausência
e cada despertar um desencontro

 

você perguntará por que cantamos

 

cantamos porque o rio está soando
e quando soa o rio / soa o rio
cantamos porque o cruel não tem nome
embora tenha nome seu destino

 

cantamos pela infância e porque tudo
e porque algum futuro e porque o povo
cantamos porque os sobreviventes
e nossos mortos querem que cantemos

 

cantamos porque o grito só não basta
e já não basta o pranto nem a raiva
cantamos porque cremos nessa gente
e porque venceremos a derrota


cantamos porque o sol nos reconhece
e porque o campo cheira a primavera
e porque nesse talo e lá no fruto
cada pergunta tem a sua resposta

 

cantamos porque chove sobre o sulco
e somos militantes desta vida
e porque não podemos nem queremos

deixar que a canção se torne cinzas.                     



NOTA:

Hoje, 14 de setembro de 2020, o poeta urguguaio Benedetti completaria 100 anos. A poesia continua se perguntando: "Por que cantamos?" E apesar desses tempos sombrios,  opto por responder o que sugere a poesia: "...cantamos porque o grito só não basta [...] e porque venceremos a derrota....". 

Viva a poesia! Viva Benedetti, sempre.


Ameríndia, 14/09/2020

Graça Graúna (potiguara/RN)