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01 março 2016

Literatura indígena: da oralidade ao papel

Da oralidade ao papel

Fonte: CORREIOBRAZILIENSE 3,
Brasília, segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016


                                                                                       Osvaldo Reis/Esp. CB/D.A Press

  Daniel Munduruku: “Comecei a mudar um pouquinho o jeito de dar aula,
porque inseri os mitos indígenas”

“O ser indígena sabe escrever de várias maneiras, se a gente está fazendo um colar ou uma esteira, por exemplo, estamos escrevendo e registrando nossa cultura”. Nas palavras de Graça Graúna, professora e primeira índia com doutorado na área de literatura, a arte indígena tem várias faces, que vão da tradição oral aos livros com o retrato da cultura dos povos. Como ressalta Graúna, as histórias das chamadas sociedades tradicionais, não são voltadas para determinada faixa etária, mas a representação de mitos, lendas, aventuras e costumes encantam crianças e adultos ao dar voz a contos passados por gerações. “Partindo de histórias contadas pelos mais velhos, os mais jovens aprendem muito, sem rótulos, apenas com a percepção dentro da cultura indí- gena”, acrescenta a escritora. Assim como a professora, outros escritores, como Yaguarê Yamã e Daniel Munduruku, transformam o grafismo das etnias a que pertencem em livros que fortalecem a literatura brasileira e mostram a força do imaginário tradicional.“A história oral émuito bonita e tem que ser mantida, mas quando a gente passa a escrever essa história, além de passar toda a tradição mostramos o que existe na nossa cultura”, afirmaYaguarê, que completa dizendo que escrever tanto contos tradicionais, quanto os inspirados em personagens reais, ajuda manter vivos os ensinamentos e os encantos dos povos:“Acho que tem muita história perdida, porque osmais velhos estãomorrendo e não estão conseguindo passar esses contos com a agilidade que estamos vivendo”. Já para o professor Daniel Munduruku, por mais que a divulgação da cultura seja importante, a publicação de livros ainda é difícil. “Quando pensamos em publicar um livro, precisamos pensar no mercado consumidor da sociedade que é seletivo e cria barreiras para publicar livros de literatura indígena”, afirma. Segundo Munduruku, as editoras se interessam em publicar quando há a possibilidade de o governo colocar nos editais, mas como esses também são restritos, a literatura continua prejudicada.

Partindo de histórias contadas pelos mais velhos,
os mais jovens aprendem muito” (Graça Graúna, escritora)


                                                                                                                                     Íris Cruz/Esp. CB/D.A Press



“O índio sabe escrever de várias maneiras, se a gente está fazendo um colar ou uma esteira, porexemplo, estamos escrevendo e registrando nossa cultura” (Graça Graúna)



Escritores indígenas encantam
crianças e adultos com
histórias tradicionais


Histórias encantadas

Yaguarê conta que, na comunidade em que vive, faz parte da cultura diária sentar em um local chamado Mirichawaruca, que significa casa de contar histórias em Maraguá, e reunir crianças e adultos à luz do por-do-sol para ouvir contos. “Desde pequeno gostava de criar histórias e imaginar. Na minha etnia somos conhecidos por ser contadores de histórias de fantasmas”, acrescenta. Foi de hábitos como esse que o escritor decidiu transformar as riquezas orais em páginas de livros e, assim, conquistar diferentes idades com narrativas e ilustrações que simbolizam as aventuras da tribo. Um curumim, uma canoa, Pequenas guerreiras e Formigueiro de Myrakãwéra são exemplos de obras publicadas por Yamã. “Os mais velhos, curandeiros e chefes das aldeias contam histórias para os pequenos se prepararem e aprenderem a lidar com os espíritos da floresta, o futuro e os perigos da vida”, comenta o professor. A inspiração para escrever vem do amor às raízes. “Hoje sou uma pessoa realizada que, além de propagar a contação de história do meu povo, recrio e crio histórias. A história é minha, mas todos os personagens e monstros que habitam minha aventura são do povo”, completa.

A luta

Autora de Canto Mestiço, Flor da mata e Criaturas de Ñanderu, Graça Graúna, conta que a sociedade ainda é preconceituosa e dominante. Por isso não aceita as diversas formas de escrita indígena. “Tiramos o preconceito, mas sempre vão olhar a gente como se fosse um animal exótico, como se a gente não tivesse o que dizer”, critica a escritora. Segundo Graúna, a literatura dos povos tradicionais reporta à maneira de viver, não se refere ao eu individualista, mas ao eu coletivo, ao povo. “Escrevo mostrando que a palavra indígena sempre existiu. A literatura está no jarro, no rosto, no corpo; ao dançar a gente escreve história por meio do ritmo, por exemplo”, ressalta a professora. O professor e escritor Daniel Munduruku explica que algumas pessoas acreditam que colocar histórias indígenas no papel é fazer uma violência com a oralidade, mas, para ele, o trabalho dos escritores é preservar uma memória que o hoje tem o suporte do livro para se manter. “Acho que o registro é fundamental para criar uma memória afetiva e ancestral”, acrescenta. Diretor-Presidente do Instituto Uk´a—Casa dos Saberes Ancestrais, Daniel Munduruku conta que a literatura despertou nele interesse filosofia e virou educador. “Na época que era professor, comecei a mudar um pouquinho o jeito de dar aula, porque inseri os mitos indígenas e mostrar que a nossa cultura segue o mesmo processo que o mundo inteiro”, explica Munduruku. Segundo ele, a escrita veio como uma resposta às perguntas que os alunos faziam sobre a vida nas tribos. “Um dia uma menina me perguntou onde encontrava as histórias que contava para ler e isso me alertou para a ideia de escrever aqueles contos”, comenta. Kabá Darebú, Coisas de índio e O segredo da vida são alguns nomes de obras do professor.